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Vulnerabilidades da arquitetura moderna reforçam importância da conservação preventiva

01 jul/2016

 

As vulnerabilidades da arquitetura moderna tornam mais premente a necessidade de se lançar mão de estratégias de conservação preventiva para garantir a preservação dos edifícios ligados a esse movimento. A avaliação é da arquiteta Carla Coelho, pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), que participou do seminário sobre a elaboração do plano de conservação preventiva do Pavilhão Arthur Neiva, edificação modernista construída entre 1947 e 1951 no campus da Fiocruz em Manguinhos, no Rio.

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Com apoio da Fundação Getty, COC elabora plano de conservação do Pavilhão Arthur Neiva

De acordo com a pesquisadora, esse tipo de arquitetura apresenta fragilidades que não são comuns a outros estilos, como o eclético, por exemplo. Marcado por uma linguagem racionalista, os edifícios modernos lançam mão de poucos ornamentos e tem muitas de suas estruturas desprotegidas da ação de intempéries. Além disso, algumas dessas construções utilizavam materiais industrializados, que já não estão mais em produção. “Essas são questões específicas que colocam a importância ainda maior da conservação preventiva para esses edifícios”, disse.

Em sua apresentação, Carla elencou eixos centrais que devem orientar ações de conservação preventiva. O primeiro diz respeito a existência de suporte institucional por parte da organização responsável pelo patrimônio, além de arcabouço legal e normativo que regulem o trabalho de preservação. Como exemplo, ela citou a Política de Preservação e Gestão de Acervos Culturais das Ciências e da Saúde formulada pela COC em 2013.

Outro ponto diz respeito à priorização de ações de conservação contínua de modo a evitar intervenções de grande porte nos edifícios. “É preciso ter equipes em campo para realizar um trabalho quase que diário”, explicou. Ela ressaltou ainda a importância do trabalho de monitoramento periódico e de identificação de riscos futuros aos edifícios.

Carla apresentou também as seções principais de um plano de conservação preventiva: caracterização, diagnóstico, avaliação de riscos e procedimentos. De acordo com ela, a primeira parte traz um entendimento amplo sobre o objeto da conservação sob o ponto de vista histórico, e também a partir de suas características materiais, vulnerabilidades, bens integrados e atores que interagem com o edifício, entre outros aspectos.

Já o diagnóstico traça uma relação entre os principais problemas do prédio e as suas causas, de modo que se possa atuar sobre elas. Na seção de avaliação de riscos, a partir de uma varredura dos problemas, são relacionadas as ameaças mais extremas e as de menor impacto. Por fim, são discutidos os procedimentos a serem levados a cabo, incluindo tanto o estabelecimento de diretrizes mais conceituais como o planejamento das intervenções, além de ações de educação patrimonial, entre outras.

Pavilhão Arthur Neiva foi contemplado em projeto da Fundação Getty

O projeto do plano de conservação preventiva do Pavilhão Arthur Neiva foi viabilizado a partir do programa Keeping it Modern, da Fundação Getty, com sede nos Estados Unidos, explicou a arquiteta da COC Barbara Aguiar. O Pavilhão Arthur Neiva foi uma das 14 edificações selecionadas em todo o mundo pelo programa da instituição norte-americana, voltado para projetos de pesquisa e planejamento de intervenções em construções significativas do século 20.

O edifício teve a sua estrutura avaliada por especialistas para a elaboração do plano. Foram feitas ainda prospecções pictóricas, isto é, a investigação das cores aplicadas a paredes, teto e esquadrias ao longo dos anos. Os trabalhos incluíram ainda a realização de estudos no painel de azulejos de autoria de Roberto Burle Marx, uma das características marcantes do Pavilhão, bem como o mapeamento de danos e patologias da edificação.

O diretor do Instituto Oswaldo Cruz, Wilson Savino, parabenizou a iniciativa e qualificou-a como fundamental. “Esse pavilhão, assim com o Castelo, representa um ponto marcante da história da saúde no Brasil, em que o valor da memória e do trabalho foi aliado à beleza”. Paulo Elian, diretor da COC, inseriu a ação em um contexto mais amplo. “A preservação do patrimônio vai além da área preservada e dos prédios tombados. Ela é viva e influenciada pelos atores que convivem e trabalham nesses locais”. Elian disse ainda que existe uma combinação delicada entre preservação e uso. “O equilíbrio entre esses dois fatores é a chave para se pensar qualquer intervenção”, completou.

Pavilhão Arthur Neiva: edifício alia funcionalidade e beleza

Projetado por Jorge Alfredo Guimarães Ferreira na década de 1940 para abrigar o Curso de Aplicação promovido pelo Instituto Oswaldo Cruz desde 1908, o Pavilhão Arthur Neiva inclui jardim e mural de autoria do paisagista Roberto Burle Marx. Integra o núcleo modernista da Fiocruz, formado ainda pela Portaria da Avenida Brasil, projeto de Nabor Foster, e o Pavilhão da Febre Amarela, de Roberto Nadalutti.

Ao falar sobre a história do prédio, o arquiteto Renato da Gama-Rosa, coordenador do mestrado profissional em Preservação e Gestão do Patrimônio Cultural das Ciências e da Saúde da COC, destacou o compromisso da obra com as características modernistas. Ele revelou ainda que Jorge Guimarães foi aluno de Lucio Costa, pioneiro da arquitetura modernista no Brasil, na Escola de Belas Artes. “Podemos notar que, apesar de ter sido concebido para abrigar as salas de aula, o projeto se preocupa com o conforto da ambiência, como luminosidade, arejamento e locais para convívio”.

Outra característica do estilo, a inserção de elementos artísticos na composição da obra arquitetônica, também está presente. O paisagismo e o mural pintado com imagens do Trypanossoma cruzi, parasita que causa a Doença de Chagas, são destaques da construção. Curiosamente, o painel que chama a atenção dos motoristas que passam pela Avenida Brasil, originalmente, estaria em outra posição: “Encontramos uma planta que mostra o mural voltado para a área interna do campus. Provavelmente, a inauguração da duplicação dessa via, e todo interesse gerado em torno do assunto, tenha influenciado na mudança de disposição”, explicou o arquiteto.

Estudos e testes avaliaram riscos à preservação do Pavilhão Arthur Neiva

Voltado para a Avenida Brasil, via expressa de grande fluxo de veículos que atravessa o Rio de Janeiro, o painel de azulejos do Pavilhão Arthur Neiva está exposto a diversos fatores de degradação, como poeira, fuligem, insolação e até mesmo balas perdidas, explicou Elisabete Edelvita, restauradora da COC que trabalhou no projeto. “É importante buscar não apenas a estagnação dos danos e a restauração, mas implementar ações preventivas e corretivas contínuas para que não venhamos mais a ter esses danos”, disse.

Originalmente, o painel de Burle Marx cobria também o andar térreo do edifício. Atualmente, permanece apenas no nível superior. Ainda hoje, porém, não há uma explicação definitiva para retirada de parte da obra de arte. “Vandalismo e problemas de umidade ascendente nesse prédio podem ter colaborado para a remoção desse painel”, disse Elisabete. As peças removidas estão sob a guarda da Casa de Oswaldo Cruz.

Consultora que atuou no projeto do plano de conservação preventiva do Pavilhão Arthur Neiva, Pérside Omena explicou que as variações térmicas são uma importante fonte de estresse dos materiais que compõem o painel. “As superfícies ficam mais expostas, e isso pode ter causado microfissuras generalizadas”, declarou. Segundo ela, a umidade também facilitou o desenvolvimento de micro-organismos no painel: em algumas partes há infestação de fungos.

Em sua apresentação, Euzébio Mattoso Berlinck Junior e Álvaro Assis da Cunha, da empresa de engenharia consultiva Falcão Bauer, avaliaram que não há anomalias de ordem estrutural no edifício. Eles constataram indícios de infiltração através das juntas de dilatação do edifício devido ao acúmulo de água nas regiões adjacentes a elas.

O relatório entregue pela empresa à COC aponta que a parede sobre a qual está aplicado o painel de azulejos tem uma fissura. A hipótese – de que a rachadura está estável – precisa ser confirmada com testes de no mínimo seis meses, entretanto.