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Cultura e política deram a tônica do Encontro às Quintas realizado no dia 19 de agosto

25 ago/2010

O Encontro às Quintas do dia 19 de agosto recebeu a historiadora da USP Maria Ligia Coelho Prado, que fez uma palestra sobre cultura e política nas Américas.

Maria Ligia iniciou sua  apresentação fazendo uma breve reflexão sobre a institucionalização universitária da  história da América Latina. Segundo ela, atualmente é notável a diferença do espaço que a disciplina ocupa, em comparação com o que acontecia até a década de 1970: “Falando especialmente de São Paulo e da USP, a disciplina estava nas mãos de professores muito conservadores do ponto de vista político. Não se ensinava temas da América Latina no séc. XX. Cuba, por exemplo, era um tema tabu, assim como demais temas recentes, pois eram considerados ‘perigosos’”, afirmou.

 

Marcos Chor e Maria Ligia sentados na mesa durante a palestra

Marcos Chor e Maria Ligia na abertura do evento. (Fotos: Mensilva/COC)

A palestrante disse ainda que quase não havia bibliografia de historiadores sobre a América Latina. “Os historiadores estavam muito envolvidos com a teoria da dependência desenvolvida por Fernando Henrique Cardoso e Enzo Faleto, com a transformação social. Havia um clima político marcante. No mundo acadêmico, essa disciplina [América Latina] acabou sendo tratada como uma questão menor porque estava envolvida por paixões políticas que se sobrepunham a um estudo mais sério”.

A partir dos anos 1980 esse cenário começa a mudar, especialmente com a formação de jovens pesquisadores na área. Prado falou sobre a necessidade de estabelecer o diálogo entre a história da América Latina e a historiografia brasileira e internacional. Segundo ela, é preciso quebrar o isolamento do Brasil em relação ao contexto latino-americano. “Na França criou-se o conceito de ‘histórias conectadas’. Nos Estados Unidos, de ‘história transnacional’. O que se quer dizer com isso é que é preciso pensar conexões entre as histórias dos países, quebrando as barreiras nacionais, estabelecendo diálogos, conexões, sem tomar uma das partes como centro”, disse.

Maria Ligia em destaque, falando ao microfone durante a apresentaçãoMaria Ligia passou então a abordar uma questão metodológica em relação ao projeto temático que coordena, chamado ‘Cultura e Política nas Américas: circulação de idéias e configuração de identidades (séc. XIX e XX)’. A palestrante apresentou sua análise crítica em relação à visão eurocentrista e dicotômica que entende a história da América Latina como resultado da história européia e dos Estados Unidos. “É preciso entender essa história em suas conexões, sem pólos opostos, onde um é determinante e outro subordinado”.

Nesse sentido, Maria abordou a noção de circulação de idéias entre o velho e o novo mundo, citando ainda o conceito de transculturação, que pretende entender os encontros entre mundos culturais diferentes. “Essa idéia quebra a visão linear que coloca a América Latina como mera receptora. A colonização deixa uma marca, e não nos damos conta como o mundo colonial se trança como o mundo do colonizador. É preciso pensar a troca de idéias em mão dupla e ‘descolonizar o conhecimento’. O conhecimento não deve ser medido pelo metro europeu, nem por categorias européias” disse, citando autores como Fernando Ortiz e Dispesh Chakrabarty.

A última parte da palestra foi dedicada a análises a respeito da pintura histórica do séc. XIX. Maria Ligia falou sobre a intensa vinculação de arte e política no período, tendo o estabelecimento de nações como principal questão. Pensando do ponto de vista da “história política renovada”, a palestrante esclareceu que a pintura histórica é parte integrante da constituição do imaginário social, por incorporar e criar símbolos. Nesse momento, Prado estabeleceu uma ligação entre a história da arte e a história das ciências: “Acho que temos um problema semelhante: a relação entre quem faz história da ciência ou história da arte, e o historiador tradicional. A história da arte é um campo consagrado, com debates específicos. Esse historiador se preocupa com o quadro em si. O historiador tradicional que se aventura nesse campo vai pensar em todos os fatos, se preocupar em contar o processo”, disse.

Continuando seu raciocínio, Maria Ligia mostrou como alguns quadros contribuíram para a construção de identidades nacionais no séc. XIX. Citando os exemplos dos quadros “Independência ou Morte”, de Pedro Américo, e “Primeira Missa no Brasil”, de Victor Meirelles, entre outros da América Latina, a palestrante defendeu a idéia de que os mesmos não representam apenas uma imitação da arte que era feita na Europa. “Chegando aqui, esses pintores encontram questões políticas inescapáveis. Por isso o que criam é algo novo, provido de originalidade, criatividade e reflexão sobre questões nacionais”.

No debate que se seguiu, pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz apontaram vários pontos de conexão entre a exposição de Maria Ligia e o que é feito na instituição. Como exemplo, foi apresentada a forma de constituição do  Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC/Fiocruz), que se aproxima da visão de Maria Ligia, já que se pensa a história da ciência e da saúde extremamente conectada com a América Latina e Caribe. Possibilidades de estudos comparados entre as histórias do Brasil e da América Latina também foi outro tema de debate. “É preciso ter um problema a analisar,e fugir da separação em pólos, entre dominados e subordinados. Com isso, a comparação se faz possível”, respondeu a convidada.

Por fim,  Maria Ligia Coelho resumiu bem o clima do encontro: “É um prazer ver a descoberta do aluno, quando ele percebe as possibilidades de conexões com a América Latina. Na verdade o que eu estou fazendo aqui é seduzir vocês, fazendo um convite a esse conhecimento mais amplo”.