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Simpósio Brasil-Alemanha é encerrado com acordo entre Fiocruz e instituto alemão

30 mar/2011

A Conferência “International relations in the history of medicine and science in the first half of the 20th century: the examples of psychiatry and eugenics”, ministrada por Volker Roelcke, diretor do Instituto de História da Medicina, da Universidade de Giessen (Alemanha), abriu a última tarde do “Simpósio Internacional Relações Médico-Científicas entre Brasil e Alemanha: história e perspectivas”. A atividade, realizada no dia 25 de março de 2011, foi mediada por Cristiana Facchinetti, da Casa de Oswaldo Cruz.

A conferência foi dividida em duas partes principais. Na primeira, Volker apresentou sua estrutura analítica de processos de transferência de recursos intelectuais alemães – recursos médicos, especialistas, práticas e estruturas organizacionais de treinamento – para outros países da Europa e América na primeira metade do século XX. Já na segunda parte, o conferencista utilizou os exemplos da psiquiatria e eugenia para ilustrar essas transferências.

 

volker roelcke, sentado a mesa e de frente para um laptop, falando na palestra

Volker Roelcke durante sua apresentação. Ao fundo, Cristiana Facchinetti. (Fotos: Vinícius Pequeno/COC)

Roelcke falou sobre a importância de pensar nos diferentes níveis de transferência, que não devem ser considerados apenas em âmbito nacional, mas também em suas dimensões regional e local. Segundo Volker, há uma tendência em superestimar os contextos nacionais, negligenciando as características regionais: “É preciso deixar categorias como Brasil e Alemanha, por exemplo, e usar conceitos mais flexíveis. Não podemos perder os detalhes e as dinâmicas interessantes de trocas locais ou regionais, como por exemplo nas relações entre Munique e Belo Horizonte”, disse.

Em relação aos meios de transferência de um país a outro – tais como navios, trens, etc -, Volker apontou a importância de se pensar na troca entre especialistas que realizavam juntos estas viagens. Não apenas os locais de destino exerciam influência sobre seus pensamentos, mas também a dinâmica não prevista entre especialistas de diferentes nacionalidades ocorrida no trajeto das viagens.

O conferencista contou que no início do séc. XX a Alemanha tinha um grande poderio na área da psiquiatria. Assim, no período entre guerras, psiquiatras alemães viajaram para França e Escócia e, ao retornarem à Alemanha, aplicaram no país o que acreditavam ser útil, o que lhes interessou mais nos países em que estiveram. “Foram realizadas adaptações seletivas”, disse.

A respeito da eugenia psiquiátrica, o conferencista falou sobre como o movimento, originário dos EUA e tendo como ícone o psiquiatra americano Adolf Mayer, foi adotado na Grã Bretanha. “Houve uma associação entre os modelos, que ficaram mais híbridos”. Ao finalizar sua palestra, Roelcke falou sobre os estudos recentes que abordam essas formas de relação internacionais e a criação de conhecimentos transnacionais.

O físico, o mental e o moral

A última mesa redonda do evento, coordenada por Flavio Edler, da Casa de Oswaldo Cruz, começou com a apresentação de Cristiana Facchinetti, que falou sobre seu projeto em andamento, que investiga o movimento médico-científico entre as comunidades psiquiátricas alemã e brasileira nas primeiras três décadas do século XX. Cristiana contou que a institucionalização da psiquiatria no Brasil é recente, e que o modelo Kraepeliano foi hegemônico nas décadas de 20 e 30 do séc XX.

Cristina sentada na mesa, em frente a um laptop, proferindo palestra

 

Cristiana citou as conseqüências da teoria da degenerescência, do médico francês Bénédict  Morel, no Brasil, assim como o surgimento da idéia do “branqueamento progressivo” do país como solução para a degeneração causada pela miscigenação, que daria origem a indivíduos desequilibrados. Em contraponto, a palestrante apresentou as idéias do médico e pioneiro da psiquiatria brasileira Juliano Moreira, que acreditava que “na luta contra as degenerações nervosas e mentais era preciso combater o alcoolismo, a Sífilis, as verminoses e as condições sanitárias e educacionais adversas”, finalizou Facchinetti.

A apresentação seguinte, de Eric Engstrom, da Universidade Humboldt/ Berlim, tratou da correspondência entre Kraepelin e psiquiatras brasileiros. O palestrante falou a respeito das correspondências do alemão para Emílio Afrânio de Motta, diretor do Hospital Psiquiátrico Brasileiro, e Juliano Moreira. “Seu interesse em vir ao país era para coletar informações em relação a brancos e negros e enfermidades de raça”, disse.

eric gesticula durante sua apresentação

 

Kraepelin procurava entender a relação entre a sífilis e a doença psiquiátrica da paralisia progressiva, que causava mudanças de personalidade e que era a causa de aproximadamente 50% das mortes em hospitais psiquiátricos no século XX. A esse respeito, o palestrante contou da viagem do psiquiatra alemão a Java, onde verificou que embora a sífilis fosse alta, a paralisia progressiva era rara. Assim, concluiu que havia um potencial natural para a sífilis, e que os europeus estavam mais propensos à paralisia.

detalhe do público da palestra, sentado nas cadeiras, com a imagem da mesa com a palestrante ao fundo

 

Ana Venâncio, da COC, foi a terceira a se apresentar, e falou a respeito da recepção de idéias psiquiátricas no Brasil, e as adaptações ao contexto brasileiro. Venâncio falou sobre a classificação psiquiátrica brasileira de 1910, criada por Juliano Moreira, inspirada em Kraepelin. A palestrante contou ainda que, em artigo conjunto com Juliano Afrânio Peixoto, Moreira “sustentou que não existiam doenças mentais climáticas, e que as doenças daqui eram iguais às de além mar”, finalizou.

Reinaldo Bechler, da UFMG, falou sobre a alternativa de política pública alemã contra a lepra. A lepra era vista como um problema colonial por países como Inglaterra e França, e era tratada como uma questão de polícia, e não de saúde. Já o paradigma norueguês via a lepra como um problema exclusivo de Estado, e conseguiu uma impactante diminuição da incidência da lepra.

Bechler conta que a política pública alemã, propagada por Robert Koch, era pouco conhecida e valorizada. Ao contrário do paradigma norueguês, não considerava a lepra uma preocupação exclusiva de Estado. Como exemplo, Reinaldo falou sobre uma instituição alemã administrada por uma congregação evangélica. O isolamento dos leprosos tinha peculiaridades, tais como o isolamento feito por gênero, etnia e dialetos. “Além disso, havia a permissão de isolamento de cônjuges. Havia uma preocupação com a socialização e a autosustentabilidade das instituições”, disse.

palestrante fala ao microfone durante a palestra

 

Reinaldo contou ainda sobre a conturbada atmosfera acadêmica na 1ª Conferência Internacional de Lepra em Berlim, em 1897, onde Koch não participou. Assim, o modelo norueguês se impôs e foi aceito como o único responsável pelo combate à lepra, sendo adotado inclusive no Brasil, deixando a política pública alemã em segundo plano.

A última apresentação da tarde foi feita por Vanderlei Sebastião de Souza, que falou sobre a apropriação da eugenia alemã pelo médico brasileiro Renato Kehl, grande entusiasta do movimento eugênico no país e também na América Latina. O palestrante relatou que o médico, responsável pela criação do ‘Boletim da Eugenia’ e pelo lançamento de alguns livros polêmicos sobre o tema, fez viagens constantes à Alemanha, especialmente em um momento de grande efervescência do movimento eugênico no país. “Quis mostrar a força do movimento eugênico alemão teve no país, apesar do neolamarckismo ter sido predominante”, finalizou Vanderlei.

palestrante fala ao microfone. ao fundo, foto em preto e branco se destaca em sua apresentação de power point

 

Encerramento e celebração de acordo

No encerramento do evento, feito por Magali Romero Sá, da Casa de Oswaldo Cruz, e Claude Pirmez, vice-presidente de Pesquisa e Laboratórios de Referência da Fiocruz, foi consolidado um acordo entre a Fiocruz e o Bernhard-Nocht-Institut, em Hamburgo, para promoção de projetos de pesquisa com foco em doenças tropicais, além da realização de simpósios e seminários. Claude afirmou ainda que o convênio pode vir a se estender a outros institutos, tais como o de História da Medicina de Giessen.

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