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Pioneiro na divulgação científica sobre rodas, Michael Gore revela na Fiocruz como encantar e formar talentos

14 out/2016

Levar o conhecimento científico aos mais diversos lugares da Austrália, incluindo comunidades aborígenes, e continuar inspirando estudantes, professores e entusiastas a divulgar ciência tem sido o trabalho do britânico radicado no país da Oceania Michael Gore. O energético professor, de 82 anos, veio ao Brasil especialmente para o Simpósio Internacional de Divulgação Científica em Unidades Móveis, organizado pelo Museu da Vida no campus da Fiocruz no Rio de Janeiro.

Ao defender os centros de ciências como espaços para inspirar e fazer as pessoas pensarem, promove divulgação científica por meio de iniciativas como Questacon Science Circus – uma carreta que roda pelo interior da Austrália – que ele ajudou a criar. Mike, como costuma ser chamado, começou a carreira como professor de física na Universidade Nacional Australiana (ANU, na sigla em inglês). A participação no Simpósio também marcou as comemorações dos 10 anos de êxito do Ciência Móvel, unidade do Museu da Vida que já percorreu 66 mil quilômetros – o equivalente a uma volta e meia em torno da Terra – e beneficiou nessa aventura quase 750 mil pessoas em cidades do Sudeste do país.  

No palco do auditório do Museu da Vida, Gore mostrou todo o seu carisma e compartilhou algumas experiências na palestra Reaching large audiences: science on the road durante o simpósio internacional. O professor não perdeu a oportunidade para fazer apresentações simples do extenso repertório que leva em viagens pelo país. Numa delas, usa um cabo de vassoura; e logo o espectador aprende sobre conceitos de física, precisamente sobre centro de gravidade. Ele ampara as extremidades com seus dedos indicadores, move apenas um para o centro; ao usar os dois ao mesmo tempo, ele não consegue o resultado esperado, que é achar o centro de gravidade nessa experiência.

Em outra demonstração, Gore utiliza um barbante (de aproximadamente um metro), um molho de chaves e uma arruela. Nesse laboratório improvisado, ilustra sem precisa da lousa o momento angular, outro fenômeno da física que Gore explica de maneira simples; o molho de chaves não toca o chão porque a extremidade do barbante com a arruela na outra ponta ganha velocidade ao se aproximar de um ponto fixo, no caso o próprio dedo do ainda entusiasmado amante das ciências. E dessa forma, mais um show interessante com conceitos complexos de ciências é ensinado, clara e objetivamente aos perplexos espectadores. De fato, como Mike afirmou, o público “descobriu que tudo que viram tem a ver com ciência”.  

O Questacon foi lançado na pequena Ainslie Public School na década de 1980. A ideia surgiu em 1976, quando Gore visitou o Exploratorium em São Francisco (EUA), cidade considerada então a meca dos centro de ciências interativos. Cerca de 20 anos antes, o professor havia iniciado sua trajetória ensinando física na Universidade Nacional Australiana, onde permaneceu por 25 anos e acabou obtendo sucesso ao passar aos jovens estudantes o interesse pela divulgação científica.

“Não tínhamos verbas”, disse Michael Gore ao lembrar as dificuldades para implantar o projeto. “Nós todos temos poucas verbas – música conhecida por vocês” –, brincou ao se referir à dificuldade encontrada para conseguir dinheiro também pelos gestores presentes no auditório do Museu da Vida. 

Sobre a organização da exposição, o professor contou que a equipe – depois de ter objetos da exposição quebrados – conseguiu uma maneira fácil de levar os aparatos nas viagens: caixas plásticas servem para organizar os equipamentos, como anteparo dos módulos e, quando desmontadas, mostram também instruções de montagem. Segundo Gore, a exposição pode ser montada em uma quadra de basquete ou em espaço suficiente para espalhar os aparatos, o que corresponde a 12m² de área. O importante é que as pessoas vejam a atuação dos integrantes do show, que não conta com experimentos tecnológicos. Para Gore, eles não funcionam. “Se você coloca um computador ou um telescópio, algo pode dar errado; sem falar que é muito mais pesado”, justificou. 

Michael Gore explicou como os estudantes são selecionados para participar do Questacon Science Circus. Segundo ele, é preciso saber se comunicar e desenvolver alguma habilidade para os shows apresentados por alunos, incluindo muitos de pós-graduação (mestrado). Apenas 16 são selecionados para o treinamento realizado antes da equipe pegar a estrada e iniciar as apresentações pelo país. Os alunos recebem uma bolsa para ajuda-los na alimentação e alojamento. Outros podem participar como voluntário, neste caso, sem receber recursos. 

Depois de seis meses de apresentações, os estudantes já demonstram confiança, inclusive poder de persuasão diante do público. Os estudantes “têm a plateia na palma da mão”, frisou ao referir à expressão popular em seu país. No entanto, até chegarem a esse ponto, precisam dominar os conhecimentos científicos levados a bordo da unidade móvel. Aprendem a dominar ao menos uma demonstração do show de ciência, sobre a comunidade a ser visitada, incluindo costumes e sua cultura; e têm aulas de direção defensiva.

A exposição sofre mudança regularmente. Equipamentos são retirados e outros acrescentados. No Museu Questacon, isso pode levar até dois anos. Os shows do circo têm renovação a cada 18 meses. “Cinco anos depois, se isso não acontecer, pode ser negativo”, reconheceu Michael Gore. Os próprios estudantes participam da mudança, pois desenvolvem roteiro e os aparatos a serem apresentados.

No entanto, o processo de atualização envolve custo. Por esse motivo, a mudança é feita em etapas; no caso do museu, uma galeria por vez até que as cinco sejam totalmente reformuladas.  

Apesar de receber recursos da iniciativa privada (petrolífera Shell), o Questacon Science Circus recebe dinheiro da ANU e também cobra ingresso para os shows. Na avaliação de Gore, “as pessoas colocam valor nas coisas e [se não houver cobrança], podem dizer que aquilo é inútil”, disse ao defender a cobrança de ingresso, mesmo que de pequeno valor.  

Experiência repetida pela terceira vez na Fiocruz

Convidada para o simpósio, a ex-diretora da Australian National Centre for the Public Awareness of Science, Susan Stocklmayer disse que participava pela a terceira vez de evento do Museu da Vida desde sua inauguração, em 1999. Ela afirmou que alunos estrangeiros podem participar do projeto do Questacon Science Circus, mas não recebem verbas. No entanto, “o trabalho é o mesmo”, acrescentou. 

De acordo com Susan, os estudantes são muito exigidos. Ao final do período de aprendizado, e das viagens, “os alunos estão muito cansados, por causa do trabalho de campo e das tarefas da universidade”, explicou.

Sobre a divisão de tarefas, Michael Gore afirmou que a equipe divide tarefas, fazendo, inclusive, a divulgação das apresentações em rádios e distribuindo panfletos; também cuidam da arrumação dos módulos e da condução do caminhão. Os estudantes se conectam para atualizar a comunicação com o público, abastecendo o site de conteúdo das apresentações.  

Outro fator importante do projeto é que ajuda o estudante a conseguir créditos para a graduação. Ao concluir a experiência, apresentam um relatório sobre o que foi aprendido, como fizeram o show e a comunicação com o público. 

Embora tenha grande participação de jovens universitários, o Questacon oferece oportunidade para os aposentados. Idosos participam como voluntários e recebem treinamento, dedicando algumas horas na semana ao atendimento ao público no museu Questacon. Michael Gore contou sobre um banqueiro aposentado que, antes de se tornar voluntário, vivia em casa e se sentia inútil. Mudou completamente ao se juntar à equipe do professor, como atestou feliz a esposa do aposentado.

Questacon em números

Desde 1985, o Questacon Science Circus percorreu centenas de milhares de quilômetros, ultrapassando 2,2 milhões de pessoas em visitas a mais de 500 cidades e comunidades, incluindo 90 tribos indígenas remotas do país. O objetivo da iniciativa é levar às escolas shows de ciência e exposições às comunidades regionais, bem como promover oficinas de desenvolvimento profissional para professores. Depois de mais de 30 anos de sucesso, os shows ganharam o mundo. No final de 1980, o Questacon conseguiu apoio da Unesco e enviou duas exposições itinerantes a nove países insulares do Pacífico. Em julho de 2003, o órgão das Nações Unidas desenvolveu um projeto piloto de educação com o grupo no Timor Leste. 

O êxito não é por acaso. Desde que passou a rodar pelas estradas australianas, foram apresentados mais de 15 mil shows de ciência em escolas (depois da experiência, 85 por cento dos educadores relataram aumento dos alunos por temas de ciência). Mais de 5 mil professores participaram de oficinas com ideias para atividades interativas de ciência em sala de aula.

O Questacon ajudou a formar cerca de 400 jovens de nível superior (em algum campo vinculado à ciência e à tecnologia). Eles fizeram especialização em comunicação de ciência, e muitos passaram a ocupar cargos influentes na Austrália e no exterior em áreas como educação, governança, mídia e no setor de museu.

Ciência Móvel: carta humorada narra trajetória

“Carrego ciência, carrego museu, carrego a Fiocruz dentro de mim”, leu emocionado o coordenador do Ciência Móvel, o educador Marcus Soares, a carta “ De um caminhão a um caminhoneiro”. O texto recheado de humor e informação, narra a trajetória do caminhão da ciência desde seu lançamento. Destaca o contato com a população em cada cidade visitada, especialmente com as crianças e a satisfação que mostram ao participar das atividades interativas do Ciência Móvel, que assina a carta. “Já fiz mais de 70 viagens a mais de 50 cidades diferentes ao longo desse tempo; mas, o melhor de tudo, foi a possibilidade de conhecer pessoas novas”, lembrou Marcus Soares.

Para o diretor da Casa de Oswaldo Cruz Paulo Elian, o caminhão da ciência é motivo de orgulho e satisfação junto à sociedade. Segundo ele, a iniciativa tem mantido sua sustentabilidade ao combinar recursos da Fiocruz, do governo federal e da iniciativa privada. “Isso possibilitou o revigoramento da estrutura e dos equipamentos do Ciência Móvel”, disse.