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Pesquisadora portuguesa fala sobre a importância do uso e da preservação dos contextos de instrumentos científicos para historiadores

19 jul/2010

A palestra “De Silêncio empoeirado às vozes do passado: coleções de instrumentos científicos como fontes primárias para a história da ciência, tecnologia e medicina”, proferida no dia 16 de julho pela pesquisadora portuguesa Marta Lourenço, do Museu de Ciência da Universidade de Lisboa,  lotou a sala de aula da Casa de Oswaldo Cruz com profissionais, estudantes e interessados na temática da preservação e uso de coleções científicas como fontes primárias de pesquisa.

Paulo Roberto Elian dos Santos, vice-diretor da Casa de Oswaldo Cruz, abriu o evento falando sobre a satisfação de receber Lourenço e da possibilidade de futuras atividades de cooperação entre a instituição e a pesquisadora, especialmente no que diz respeito à criação de um thesaurus de instrumentos científicos em língua portuguesa. Elian destacou ainda que a palestrante estaria no Brasil para o Seminário Luso Brasileiro de Coleções Científicas e de Ensino, a ser realizado de 19 a 21 de julho, no Museu de Astronomia e Ciências Afins (MAST).

 

palestrante e diretor da COC sentados em uma mesa, na abertura da palestra. Em segundo plano, o público assite a apresentação.

Paulo Roberto Elian dos Santos, vice-diretor da COC, e Marta Lourenço na abertura da palestra.(Fotos: Roberto Jesus)

 

Marta iniciou sua fala dizendo que o uso de fontes materiais para a história ainda é pouco valorizado, e afirmou que o estudo e a organização desses instrumentos é essencial para a compreensão do desenvolvimento da ciência. “Esses instrumentos são pouco utilizados porque jazem em museus e laboratórios, ignorados pelos historiadores”, disse.  

Lourenço destacou quatro aspectos que justificam a vulnerabilidade deste patrimônio. O primeiro diz respeito à complexidade conceitual do patrimônio científico, que carece de uma delimitação, de definição precisa. O segundo é seu desenquadramento legislativo, pois apesar de estar incluído no patrimônio cultural, isso não ocorre na prática. “Em Portugal, o primeiro tombamento de alguns tesouros abriu um caminho neste sentido, mas é preciso lembrar que tombamento não é legislação”, conta. Outro problema é a volatilidade institucional, pois a preservação não é prioridade nas instituições, e o destino final dos instrumentos acaba sendo o lixo. Por fim, Marta aponta a falta de visibilidade desse patrimônio como um problema, pois “as sociedades não estão sensibilizadas para a preservação do patrimônio científico, e isso não se coloca como um problema para a comunidade científica. Carecemos de uma voz consistente para promovê-lo política e socialmente”, afirma.

 

retrato da palestrante falando durante a palestraA portuguesa apresentou ainda a relação entre o patrimônio e os historiadores. “Por um lado, quanto mais os historiadores se interessarem por esse patrimônio material como fonte, mais valorização estes instrumentos terão. Por outro, os historiadores só farão uso desses instrumentos se os mesmos estiverem acessíveis, documentados e organizados”. Martha lembra ainda que o patrimônio científico não pode ser lido como os documentos, prática que consiste em uma ‘fonte de conforto’ para os historiadores, já acostumados com esse ambiente. Entretanto, esses profissionais não são preparados para usar os objetos como fonte. “É preciso incluir a cultura material e o uso desses objetos na formação de historiadores. Poderia ser um tema para cursos de pós-graduação na área”, sugere.

A respeito do papel dos museus, a palestrante afirma que hoje a maioria dos museus não está preparada para dar contribuição aos historiadores. “Os objetos são considerados por seu valor intrínseco, representam uma tipologia, e acabam desencarnados de seus contextos. A raridade acaba sendo o único valor, o que é quase uma mentalidade de antiquário. É preciso documentar os contextos e usos do instrumento”, diz.

 

Ainda sobre a questão do contexto, Lourenço diz que os instrumentos servem para sua própria história, mas são insuficientes se quisermos compreender o papel do mesmo em sua época. Para isso é preciso cruzar fontes materiais e documentais, preservando os contextos. “Uma vez que os objetos estiverem melhor documentados, os historiadores passarão a utilizá-los melhor. É preciso uma aproximação recíproca: os historiadores devem ser formados no uso dos instrumentos, da mesma forma que os museus devem ser sensibilizados para a documentação desses objetos. Isso a respeito dos objetos que já estão em museus. Para os demais, é preciso uma combinação de mecanismos institucionais, legais e financeiros para sua preservação, afinal esses objetos são um espelho da inovação de cada época”, finaliza.

 

 

Durante o debate que se seguiu à apresentação, a necessidade de sensibilização dos pesquisadores, para que os mesmos deixem de lado o apego em relação aos instrumentos e demais materiais científicos sob sua guarda, simultaneamente a uma política institucional para a preservação dos mesmos, foi tema recorrente, assim como a questão da multidisciplinaridade para a captação e descrição desses patrimônios.

 

Sobre a palestrante:

Pesquisadora no Museu de Ciência da Universidade de Lisboa desde 1998, onde é responsável pelas coleções, Marta C. Lourenço interessa-se por história das coleções, patrimônio científico (particularmente patrimônio universitário) e pela cultura material da ciência. Pertence à Direção da Comissão Nacional Portuguesa do International Council of Museums (ICOM) e é Vice-Presidente do UNIVERSEUM, the European Academic Heritage Network. É consultora para o patrimônio científico da Real Academia das Ciências de Estocolmo.