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Pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz faz conferência em Congresso de História das Ciências na Universidade de Coimbra

28 out/2011

 

 

O historiador Jaime Benchimol falou nesta quarta (26/10) aos participantes do Congresso Luso-Brasileiro de História das Ciências sobre as relações estabelecidas entre o médico português Ricardo Jorge e médicos brasileiros, no início do século 20. O congresso marca os 100 anos da criação da Faculdade de Ciências da Universidade de Coimbra.

 

“A febre amarela foi tema que seduziu Ricardo Jorge pelo significado que tinha para as relações entre América, Europa e África e por representar importante fio na trama das relações entre Portugal e sua ex-colônia. A doença tornara-se triste estigma do Rio de Janeiro, colhendo suas vítimas entre os imigrantes recém-chegados, especialmente os portugueses, que formavam a principal coletividade estrangeira da cidade”, destacou Benchimol.

 

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Jaime Benchimol durante a conferência, tendo ao fundo a foto
do médico português Ricardo Jorge.
Foto: Catarina Martinho/IDEIASCONCERTADAS

 

Nessa passagem, ele conclui uma descrição sobre o clima reinante durante a troca de experiências entre médicos brasileiros e portugueses sobre as melhores formas de combater a febre amarela na capital brasileira na epidemia de 1928-29.

 

Benchimol começou a conferência contando que em 2009 passou a analisar o trabalho realizado pelo médico português Ricardo Jorge no campo da história da saúde pública e disse existir “inúmeras possibilidades de pesquisa” que vão permitir “não apenas comparar os processos de instituição das medicinas nos dois países, como analisar as trocas de conhecimentos médico-sanitárias, sem perder de vista a moldura internacional que dava sentido a esses processos”.

 

Jaime revelou à plateia de estudantes, professores e pesquisadores dos dois países, que se dedicam a temas relacionados com a história da saúde e da medicina, que Ricardo Jorge “viveu uma experiência traumática” no Porto, sua terra natal: nos primeiros anos da década de 1900, ele chefiava um serviço municipal de higiene quando enfrentou uma epidemia “denunciada por mortandade incomum de ratos.” Era a peste bubônica.

 

“O comércio internacional e os fluxos migratórios vinham espalhando a peste pelo mundo”, explicou Jaime, para em seguida dizer que o doutor Ricardo Jorge chamou dois médicos que estavam testando o soro antipestoso, que tinha acabado de ser desenvolvido. Na cidade do Porto, “os microbiologistas obtiveram resultados sensacionais”.

 

Jaime explicou que os moradores da cidade do Porto foram submetidos “às medidas draconianas que os que leram o romance de Camus sobre a peste no Norte da África conhecem bem”. Os habitantes reagiram fortemente às tentativas do poder público de desinfecção das casas, de isolamento dos doentes, de suas intervenções nos rituais fúnebres, o que resultou em “violenta revolta popular que obrigou Ricardo Jorge a fugir do Porto para Lisboa”.

 

Naquele mesmo período, da virada do século 19 para o 20, o Rio de Janeiro enfrentou problemas semelhantes, com epidemias de peste bubônica e febre amarela, e em 1904 a cidade viveu a Revolta da Vacina, movimento popular contra a campanha de vacinação obrigatória contra a varíola.

 

Na conferência, Jaime também descreve a passagem de Ricardo Jorge pelo Brasil entre junho e julho de 1929. Ele já conhecia Carlos Chagas e fez contatos com lideranças no campo da saúde e da medicina, e também com representantes da colônia portuguesa na então capital do país.

 

A cidade encerrava a campanha contra a febre amarela que, em 1928, maltratou a população local. Foi uma oportunidade para o médico da cidade do Porto acompanhar algumas das ações dos colegas médicos brasileiros durante o combate à doença.

 

Ele chegou a assistir a uma apresentação do filme recém-produzido pelo Departamento Nacional de Saúde Pública sobre a campanha de extermínio da doença em 1928-1929. O vídeo demonstrava que as autoridades reeditaram as mesmas estratégias de combate à febre amarela usadas pela primeira vez no Rio de Janeiro, no início do século. A volta da doença, quase 30 anos depois, foi encarada como sintoma de incompetência dos administradores da nação. O próprio presidente da República, Rodrigues Alves, perdeu a filha, uma das milhares de vítimas da febre amarela.

 

Mais participações

 

Outros profissionais da Casa de Oswaldo Cruz também participam do Congresso que se encerra no sábado, na Universidade de Coimbra: Ana Luce Girão faz uma apresentação sobre a trajetória científica de Carlos Chagas Filho, a partir da análise de seu arquivo pessoal, e Ricardo Augusto dos Santos, fala sobre Literatura de Viagem, a partir do relatório da expedição científica que os médicos Arthur Neiva e Belisário Penna, do Instituto Oswaldo Cruz, fizeram a Goiás e a vários estados do Nordeste do Brasil, em 1912.

 

Depois da conferência em Coimbra, Jaime Benchimol vai a Berlim, onde fala nesta sexta (28/10), em um congresso organizado por estudantes do programa de pós-graduação em história da Freie Universität, em que contam com o patrocínio da Fundação Thyssen e do Ministério de Educação e Pesquisa Federal da Alemanha (BMBF). Naquele país, a discussão é sobre o “Brasil no contexto global, entre 1870 e 1945”.