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Palestra de Martha Luna Freire (UFF) no Encontro às Quintas aborda o modelo de maternidade defendido em revistas femininas no início século 20

20 abr/2012

 

Como organizar o quarto das crianças, as melhores cores para o berço e a distância correta deste da janela. As brincadeiras que mais estimulavam o intelecto e ajudavam os filhos a enfrentar problemas de ordem emocional, como medo, ciúme e teimosia. A temperatura ideal de cozimento e a combinação certa de alimentos. Para a médica e pesquisadora da UFF Martha Luna Freire, a tentativa de regular esses outros aspectos da vida doméstica estava relacionada às preocupações higienistas do início do século 20 e aos esforços nacionais de incorporação do paradigma da modernidade, com implicações até os dias de hoje. No Encontro às Quintas ocorrido em 12/04, ela apresentou os resultados de sua pesquisa, tema de sua tese de doutorado e do livro que recebeu o prêmio Anpuh-Rio de História em 2008.

 

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O coordenador do Encontro Robert Wegner apresenta o livro premiado
de Martha Freire “Mulheres, mães e médicos” (Foto de Roberto Jesus Oscar)

 

 

Freire analisou as revistas dirigidas ao público feminino Vida doméstica, distribuída entre 1920 e 1963, e Revista Feminina, que circulou entre 1914 e 1936. Nelas, constatou que matérias, artigos assinados e editorais repercutiam as preocupações de médicos e intelectuais com o chamado “problema da infância”, uma vez que o amplo diagnóstico sobre o atraso do país incluía a precária educação infantil. Uma proposta para resolver esse problema ocorreu com a defesa do exercício da maternidade fundamentada em bases científicas, objeto de práticas educativas próprias e sob supervisão médica.

 

“O título da minha tese [Mulheres, mães e médicos: discurso maternalista em revistas femininas (Rio de Janeiro e São Paulo, década de 1920)] explicita minha concepção sobre a relação entre mulheres e médicos no período, ou seja, mediada pela identidade feminina de mãe. A escolha das revistas como principais fontes documentais se deu em função do gênero revista ter sido reconhecido como porta-voz da vanguarda social, símbolo de modernidade e veículo privilegiado para difusão de ideários e conformação de comportamentos”, explicou Freire.

 

Para a pesquisadora, se é possível perceber seu caráter conservador, as revistas reproduziam também a ansiedade das próprias mulheres quanto às transformações que embaralhavam seus papéis sociais. Ao mesmo tempo em que existia uma tríplice representação ideal da mulher (esposa-mãe-dona de casa), ela era convocada para participar do mundo do trabalho, do espaço público das ruas, de viagens turísticas, eventos sociais e como consumidora de novos bens e serviços.

 

“Mas sobressaía o papel de mãe. Todos os articulistas – médicos, educadores, juristas, feminista, escritores ou políticos – concordavam com a relevância da maternidade como principal papel social das mulheres e reconheciam a existência do instinto maternal como fenômeno universal, mas este seria insuficiente para o desempenho da maternidade conforme os novos padrões da modernidade. O instinto deveria ser aprimorado para a formação dos novos cidadãos”, disse Freire.

 

A recepção desse novo ideário foi diversa, mas segundo Freire muitas mulheres abraçavam a ideologia da maternidade científica como estratégia para elevar sua posição no âmbito doméstico e ingressar na esfera acadêmica e em campos profissionais específicos, como o serviço social, a enfermagem e a nutrição, esse último ainda hoje majoritariamente ocupado por mulheres. Acreditava-se que tais profissões demandavam habilidades inatas às mulheres.

 

“A conformação e difusão do discurso maternalista através da redefinição da maternidade sob novas bases científicas foi um processo complexo e abrangente, que embora enunciado pelos médicos higienistas, teve um caráter claramente polifônico. A redefinição da maternidade não constitui um evento isolado, mas se encontrava no bojo do processo de reformulação e revisão das concepções de infância, dos papéis femininos e das relações trabalhistas e sociais assumidas pelas elites republicanas”, concluiu Freire.

 

Leia mais:

Tese “Mulheres, mães e médicos”, defendida no Programa de Pós-graduação da Casa de Oswaldo cruz

Próximo Encontro ocorre em 26 de abril, sobre os usos da biografia na História