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Mapas valem ouro: a demarcação territorial do Brasil

29 nov/2011

Quem eram os cartógrafos experientes que marcavam presença nas expedições de reconhecimento e demarcação territorial pelo interior do país, após a chegada da Corte portuguesa ao Rio de Janeiro, em 1808? Quanto valiam e quanto sabiam os eruditos que faziam os mapas do Brasil nos séculos 17, 18? Quais eram os interesses das elites a que se articulavam, para definir os limites e fronteiras do país?

 

Movida pela curiosidade sobre o universo em que viviam e trabalhavam aqueles homens que se dedicavam à confecção de mapas, a historiadora Íris Kantor, pesquisadora da USP, vem descobrindo preciosidades. Com uma apresentação sobre este tema, ela fechou em grande estilo a série deste ano do Encontro às Quintas, no dia 24 de novembro.

 

A professora do Departamento de História da USP falou sobre os estudos em que está envolvida na universidade, onde integra um grupo de trabalho, com o qual já criou o site Cartografia Histórica

 

 

 

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Íris Kantor fala de pesquisas históricas no campo da cartografia, que
desenvolve na USP com grupo de pesquisadores.
É observada por
Lorelai Brilhante Koury
, da Casa de Oswaldo Cruz. Foto: Vinícius Pequeno.

 

 

Mapas secretos e venda de informações

 

 

Depois de seu doutorado, quando fez uma pesquisa sobre os eruditos das academias dos renascidos e dos esquecidos, na Bahia do século 18, que defendiam os interesses do Império colonial português, Íris acabou interessando-se pela cartografia. Segundo ela, “ao fazer esforços” para entender como os mapas eram confeccionados, acabou se aproximando dos fóruns dedicados a discutir a história das ciências.

 

Em sua apresentação para professores, pesquisadores e alunos que compareceram ao Encontro às Quintas, a historiadora explicou que nos 1600s ou século 17, os mapas do território da América portuguesa vinham de Portugal e circulavam com bastante restrição e apenas entre autoridades governamentais, militares e representantes da elite.

 

Historiadores como Jaime Cortesão fizeram estudos sobre o sigilo em torno dos mapas daquele período, quando a impressão dos roteiros de viagens era proibida pelos portugueses. Em seu estudo publicado em1924, ele afirmou que os monarcas manipulavam, fraudavam informações sobre as rotas de navegação, para enganar os rivais espanhóis.

 

Segundo Íris, “os portugueses negociavam nossas fronteiras com outros europeus”. Portugal e Espanha ainda não tinham chegado a um acordo sobre os limites dos seus territórios nas colônias latino-americanas, o que apenas aconteceu com a assinatura do Tratado de Madrid, em 1750.

 

Os mapas portugueses eram manuscritos até o século 18 e como circulavam com muita restrição, as bibliotecas dos eruditos contavam com Atlas de outros países da Europa, como a Holanda, França e Inglaterra. Íris Kantor chamou atenção para o fato de que na época das navegações, “a informação geográfica vira mercadoria“.

 

Ela destacou ainda que “a coroa portuguesa restringia a circulação de conhecimentos, mas remunerava e concedia benesses aos colonos: era o toma lá, dá cá”. Íris Kantor tem se dedicado ao estudo da cartografia local, sondando o imaginário dos habitantes da colônia sobre seus territórios.

 

Em meados do século 18, surgiram sociedades, como a Real Marítima e Militar, que reunia engenheiros de várias academias, que se dedicavam a vender mapas e a fazer levantamentos do território português nas colônias. Em 1830, d. João solicitou um levantamento a todos os governadores para ter uma visão geral das capitanias. Naquele período, houve mudanças na demarcação de territórios e muitas vilas e acidentes geográficos perderam seus nomes originais, ameríndios, e ganharam nomenclatura portuguesa.

 

Íris Kantor também mostrou vários mapas do século 18, como a Carta Geográfica de Projeção Esphérica Nova Lisutânia, um “retrato” do Brasil de 1797, do Laboratório Astronômico de Coimbra, de autoria de Antonio Pires da Silva Pontes Leme.

 

Outro mapa do país foi o elaborado entre 1772 e 1789 no gabinete do governador de Mato Grosso, Luis Albuquerque de Mello e Cáceres, que reivindicava a incorporação de mais áreas ao nosso território: a idéia dele era fazer com que grande parte da fronteira ocidental do país fosse o rio Guaporé, o que garantiria maior defesa ao continente.

 

 

Guia dos caminhantes: aquarelas de um certo Brasil

 

 

Durante suas pesquisas e levantamentos de fontes, Íris encontrou o Guia dos caminhantes, que tem hoje uma versão digital no site da Biblioteca Nacional.

 

Íris encantou-se pelo trabalho, “um item importante para a historiografia brasileira”, autografado por “Anastásio de St’ Anna, o Pardo Velho, pintor, Bahia: o anno 1817”, quem dedicou o seu Atlas a Pedro Francisco de Castro. São 14 pranchas aquareladas, que incluem um mapa do planisfério, um de todo o Brasil dividido em capitanias, além de outras 11 pranchas das capitanias, desenhadas em grupos de duas, de três ou individualizadas.

 

Na primeira prancha há o único texto em que o autor diz que espera que seu trabalho seja “bem aceito e gostoso de ler” e acredita que os moços “mais aproveitarão essa obra”, que deve “satisfazer seus desejos e curiosidades”. Nesse único texto, há as explicações detalhadas sobre convenções adotadas nos mapas, além de informações diversificadas.

 

O desenho da primeira prancha, em cores, retrata o encontro do colonizador com o colonizado, a expulsão dos holandeses e um casal em primeiro plano: Catarina Paraguaçu, indígena Tupinambá da Bahia, que foi oferecida por seu pai, o cacique Taparica, ao náufrago português Diogo Álvares, o Caramuru. A igreja da Graça, onde Paraguaçu foi enterrada, também aprece ao fundo.

 

Em todas as pranchas do Guia dos Caminhantes, manuscrito, o cartógrafo baiano inclui nos mapas do Brasil e de suas capitanias as medidas corretas. As escalas são em léguas, depois subdivididas em palmos e polegadas. Ele faz questão de informar quantos dias um viajante vai levar de um ponto a outro.

 

O “Pardo Velho” não economiza informações sobre os lugares, como o “Sertão dos indômitos”, “o Quebrobó”, fala das vilas, cidades e de seus cemitérios, preocupa-se em apontar as conexões fluviais existentes, inclui avisos sobre doenças freqüentes em determinado trecho do mapa.

 

Segundo Íris kantor, o autor “fez questão de dar nomes indígenas aos lugares, rios e às cidades, funcionando como um filólogo, preocupado em retomar as características da cultura ameríndia de antes da chegada dos portugueses”. A pesquisadora ressalta que ainda tem muito a descobrir a partir da análise das pranchas que constituem o Guia dos caminhantes, que segundo ela é “muito original: para centralizar a América, ele alterou o tamanho dos oceanos. E ele tinha uma visão baiana, pois o Meridiano Zero, na carta da Bahia, está na Baía de todos os Santos, na cidade de Salvador”. Os mapas trazem “uma visão espiralada, em caracol”, segundo a historiadora. Só mesmo indo lá conferir.