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Limpeza urbana no Rio é tema de palestra de Mario Aizen

12 jun/2013

Historiador Mario Aizen conversando
Segundo o historiador, vestígios encontrados na obra do CDHS são de um forno
de incineração de lixo do século 19. Foto: DPH/COC/Fiocruz

Anunciada há dois meses, a mais recente investida do poder público do Rio contra o lixo que toma conta das ruas da cidade – com o estabelecimento de multa para quem jogar resíduos no chão – foi comemorada como um marco na limpeza urbana local. Pouca gente sabe, porém, que medidas desse tipo já foram tomadas há mais de 200 anos na capital fluminense. No início do século 19, com a família real portuguesa já em terras cariocas, o escravo que jogasse lixo na rua era castigado e as demais pessoas que sujassem a cidade eram multadas.

 

Quem relatou a curiosidade foi o historiador Mario Aizen, na última quarta-feira (5/6) em conversa que inaugurou o ciclo de palestras sobre a história da ocupação da área onde hoje fica o campus Fiocruz Manguinhos. No foco do seminário, estão os achados da pesquisa arqueológica que é feita no local em que está sendo construído o Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS) – entre os quais, elementos que indicam que ali existiu um complexo de incineração de lixo no século retrasado.

 

Em um Rio de Janeiro muito menor e diferente do que o que se conhece hoje, os problemas relacionados à limpeza urbana já preocupavam no século 17. Naquela época, a ocupação, então concentrada no morro do Castelo e no morro de São Bento, que não existem mais, começava a descer para a parte plana da cidade. Já nesse período, havia funcionários da cidade – chamados oficiais – que fiscalizavam a limpeza das ruas, valas, pontes e fontes de água, contou Aizen, hoje na gerência de arqueologia do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH), órgão da prefeitura do Rio.

 

 

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A limpeza das matérias fecais, por outro, era feita pelos escravos. “Eles recolhiam os dejetos humanos nas casas e os levavam em potinhos de madeira. Aquilo ia caindo com o tempo, se desfazendo, e sujava o escravo todo. Por isso eles tinham o apelido de tigre”, relatou o historiador, autor do livro Memória da limpeza urbana no Rio de Janeiro, de 1985, juntamente com Robert M. Pechman.

 

No século 18, período em que o ciclo do ouro ganhava importância enquanto que a cultura da cana-de-açúcar perdia espaço na economia colonial, a cidade passou por transformações significativas. Na década de 1730, algumas obras foram feitas para adequar o Rio para o crescimento populacional e da área urbana. Uma delas foi o aqueduto (arcos da carioca), construído para trazer água de Santa Tereza para o centro.

 

 

Lixo ajudou a aterrar lagoas no século 18

 

Nessa época, era comum ver as pessoas jogarem o lixo e os dejetos humanos em praias. rios e lagoas. Essa prática colaborou, por exemplo, para aterrar a lagoa que ficava junto aos arcos da Lapa, tradicional cartão postal do Rio. Grande parte seu aterro foi feito com o depósito de lixo no local. Aizen explicou que esses depósitos de resíduos passaram a ser vistos, recentemente, com interesse pela arqueologia.

 

De acordo com ele, a primeira intenção oficial de criar um serviço de limpeza pública dos monturos – como era chamado o lixo que as pessoas jogavam nas ruas – aconteceu em 1732. O projeto, no entanto, não foi levado adiante. Três anos mais tarde, proibiu-se atirar lixos nas valas – local por onde corriam o esgoto e saída de água das casas.

 

O historiador contou que, segundo cronistas da época, era comum os moradores das casas construídas junto á calçada abrirem a janela para se desfazer do lixo ou de água servida. “Eles gritavam ‘lá vai água’ e jogavam direto na rua”, disse. Em 1808, com a chegada da família real e a conversão do Rio de Janeiro na única capital de um reino europeu na América, os problemas urbanos cresceram e a cidade não estava preparada para isso.

 

Foi então que novas posturas urbanas passam a ser impostas por decretos com o objetivo de organizar a cidade: os moradores passaram a ter de limpar as suas calçadas, por exemplo. Ao mesmo tempo, o Senado da Câmara – órgão que administrava a cidade – pagava mão de obra constituída por escravos libertos e presos condenados para fazer a limpeza urbana.

 

Um exemplo de uma postura da Câmara obrigando a limpeza da cidade dizia: “Deve-se implantar a limpeza, despachamento das ruas e praças, além de providências contra a divagação de loucos e embriagados, de animais ferozes e os que podem incomodar o povo”, leu Aizen. O trecho revela que, nessa época, a limpeza urbana buscada despachar das ruas tudo aquilo que era considerado indesejável pela sociedade.

 

Na segunda metade do século 19, a limpeza pública foi separada da parte de esgotamento e o poder público passou a aplicar mais recursos nos serviços. Foi aí que o governo imperial começou a conceder serviços urbanos à iniciativa privada. Alguns, como o de esgotamento, foram para empresas estrangeiras; outros, entre os quais o de limpeza urbana, ficaram a cargo de companhias locais. Esse processo não foi fácil: as empresas que faziam propostas não tinham condições e estrutura para isso. “Queriam, na verdade, faturar, e governo logo percebeu”, declarou.

 

 

Aleixo Gary assume o serviço de limpeza no século 19

 

Em 1876, um senhor de origem francesa chamado Aleixo Gary propôs ao governo imperial um serviço de limpeza que foi considerado o melhor entre os apresentados. Sua importância foi tal que seu sobrenome entrou para o dicionário com o significado de “lixeiro”. “Durante 15 anos, ele foi praticamente o único que fazia a limpeza da cidade (…) Uma das exigências do contrato com Gary foi ‘construir e manter para uso público 30 quiosques urinários e 10 latrinas, que deverão ser construídos de modo que as pessoas que se acham dentro não possam ser vistas'”, relatou Aizen.

 

A partir daí, foram criados depósitos para o lixo na Ilha do Governador e na Ilha da Sapucaia, hoje integrada à Ilha do Fundão. Os resíduos urbanos eram levados para lá por barcaças. Também foi implantado nessa época o serviço de irrigação e lavagem das ruas. “Já há uma organização mais moderna”, afirmou o historiador.

 

Aizen disse que em 1895, o governo começou a construção de um forno de incineração. A estrutura, segundo ele, ficava localizada no local onde está sendo erguido o CDHS. O projeto, porém, não foi terminado. “(O forno) foi demolido, porque não deu certo. O prefeito da época discordou que se fizesse um só forno muito grande. Ele tinha a opinião de que deviam se construir vários fornos e não apenas um”, explicou.

 

Durante a apresentação, Aizen trouxe outras curiosidades. Entre elas, o exemplo de um projeto educativo do Departamento de Limpeza Urbana (DLU) da década de 1930. Os cartazes com ilustrações chamavam a atenção da população para os maus hábitos: despejar lixo nos terrenos baldios (era “perigoso para a saúde e prejudica a limpeza pública”) e jogar cascas de frutas na rua (“podia causar desastre”).