Gabriel Lopes venceu o Prêmio Fiocruz de Teses. Foto: Jeferson Mendonça
O historiador Gabriel Lopes faz palestra na Fundação Casa de Rui Barbosa, em Botafogo, onde é realizada a série Histórias e Culturas Urbanas. Em parceria com a Fiocruz e a UFRJ, o programa incluiu a série especial Saúde na cidade, da qual o pesquisador em estágio de pós-doutorado da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) participa. Na mesa-redonda “O retorno do Aedes aegypti”, profere a palestra “Uma ‘nuvem de Aedes alerta a cidade’: 1986 e uma nova nuvem arbovirótica no Brasil”.
Em sua conferência, Gabriel aborda o retorno do Aedes aegypti como vetor de arboviroses urbanas, enfatizando o ano de 1986, marcado por uma grande epidemia de dengue no estado do Rio de Janeiro. Segundo o historiador, este período abriu caminho para a permanência das endemias de dengue e fez com que a doença se alastrasse e se tornasse parte da “paisagem urbana” das cidades mais populosas do Brasil. “O crescimento urbano desordenado e a falta de saneamento urbano forneceram os condicionantes ideais para o retorno e permanência do Aedes aegypti nas cidades brasileiras”, afirma o historiador.
Atualmente, o mosquito tornou-se o principal responsável pelo alastramento de novas arboviroses, como a zika e a chikungunya, e parece anunciar, até mesmo casos de arboviroses ainda não identificadas.
O evento recebe ainda o pesquisador Rivaldo Venâncio da Cunha (Fiocruz/UFMS), que aborda o tema “Micro e macrodeterminantes das epidemias de arboviroses no Brasil: situação atual e perspectivas futuras”. As palestras serão na sala de cursos da Fundação Casa de Rui Barbosa, no próximo dia
27 de setembro a partir das 18h, e têm entrada gratuita. O endereço é Rua São Clemente, 134, em Botafogo. Mais informações pelos telefones: (21)3289-8637 e (21)3289-8640.
Gabriel Lopes fez seu doutorado em História das Ciências e da Saúde pela Casa de Oswaldo Cruz em 2016, com período sanduíche no Department of the History of Medicine na Johns Hopkins University. Em 2017, recebeu o Prêmio Oswaldo Cruz de Teses, na categoria Ciências Humanas e Sociais. Acompanhe a entrevista com o pesquisador.
O ano de 1986 foi marcado por uma grande epidemia de dengue no Rio. Isso pode ser considerado um divisor de águas no tratamento à essa questão?
Sim. A epidemia de 1986 no Rio de Janeiro foi um importante marco, pois estabeleceu o início da dengue como uma arbovirose urbana permanente. O Aedes aegypti tornou-se conhecido na história do Brasil desde o início do século XX como o mosquito da febre amarela. A partir de 1986 a dengue tornou-se a doença mais comumente transmitida por ele. Como a visibilidade do mosquito se dá, de maneira geral, em função das doenças que ele pode transmitir, 1986 pode ser considerado um marco também por esse motivo. A historiografia das doenças analisa, naturalmente, a doença nos corpos das pessoas. Mas hoje temos um mesmo mosquito, o Aedes aegypti que transmite diversos tipos de doenças. Ou seja, temos um novo nexo que ajuda a pensar o crescimento urbano desordenado, políticas, populações, doenças e meio ambiente, ao invés de arboviroses isoladas em períodos históricos definidos. O ano de 1986 tem sua relevância não apenas por conta da dengue, mas pela permanência desse mosquito e seu potencial de fazer circular diversos tipos de arboviroses como temos hoje.
A doença estava "inerte" havia quanto tempo? O fato de a dengue fazer parte da "paisagem urbana" pode ter contribuído para um afrouxamento das intervenções necessárias a fim de eliminá-la ou isso seria impossível?
O Aedes aegypti foi considerado erradicado do Brasil por algumas décadas. A febre amarela urbana foi considerada um grande problema de saúde pública até os anos de 1940. Porém, a estrutura responsável por manter o controle do mosquito se enfraqueceu a partir da década de 1960; o crescimento urbano desordenado e a falta de saneamento urbano forneceram os condicionantes ideais para o retorno e permanência do Aedes aegypti nas cidades brasileiras. Em 1967, o Aedes aegypti reinfestou o estado do Pará; em 1968, também foi encontrado em São Luís (Maranhão). Em 1980, o A. aegypti já estava no Rio de Janeiro, Natal (Rio Grande do Norte); e seis anos depois já estaria presente em 226 municípios. A presença do mosquito abriu caminho para a circulação da dengue com um surto no estado de Roraima, no início dos anos de 1980. Porém, a epidemia de 1986 no Rio de Janeiro pode ser considerada como o marco que manteve a dengue presente nas grandes cidades. O Aedes aegypti é antropofílico, ou seja, a fêmea se alimenta prioritariamente de sangue humano; o mosquito acompanha os seres humanos há muito tempo. Como o Aedes estava em praticamente todos os municípios brasileiros, a dengue se espalhou rapidamente [pelo País].
Como as autoridades de saúde trataram essa questão naquele momento?
Em 1986, o então presidente José Sarney chegou a falar em erradicação do mosquito. Mas, mesmo assim, o maior temor era o retorno da febre amarela urbana. Naquele ano, ainda não havia casos de dengue hemorrágica (o que só passou a ocorrer com a circulação do tipo dois da doença, a partir de 1990). Em 1986, a dengue foi muitas vezes descrita como um mal menor em comparação à febre amarela, muito embora tenha ocorrido uma manifestação popular (houve o fechamento da Via Dutra – que liga o Rio de Janeiro a São Paulo em maio de 1986). O protesto reuniu muitas associações de moradores de vários municípios do Rio de Janeiro. De maneira geral, foram feitas ações paliativas. Houve estímulo da participação da população em geral, porém, a dengue se espalhou rapidamente.
De alguma forma, era possível prever o aparecimento de arboviroses como zika e chikungunya?
Sim. A circulação dessas arboviroses em áreas em que o Aedes está é sempre uma ameaça. Mas acredito que não se imaginava as proporções que isso poderia tomar.