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Especial História e Covid-19 | Orientação temporal, Covid-19 e a Educação Básica brasileira na atualidade

10 abr/2023

Ricardo dos Santos Batista (COC/Fiocruz)*

 
 

O ano de 2022 foi importante para a educação brasileira em função da retomada das aulas presencias na Educação Básica. O retorno ao ambiente escolar foi festejado por pais, estudantes, professores e agentes escolares após aproximadamente um ano e meio de aulas remotas. Essa modalidade de ensino foi um dispositivo encontrado após a irrupção avassaladora da pandemia de Covid-19, com informações incertas sobre meios de transmissão e sobre as implicações da enfermidade nos corpos doentes. Além disso, vivemos com o medo de nos tornarmos mais um número entre as milhares de pessoas que tiveram suas vidas ceifadas. Esse contexto foi modificado somente com o desenvolvimento do conhecimento científico, com a produção e aplicação de vacinas.

Foi difícil retomar às atividades com o uso da máscara, que causava incômodo às crianças, especialmente se levarmos em consideração as estruturas precárias de muitas escolas brasileiras, que não possuem sequer ventilação adequada. Foi difícil mediar o processo de ensino/aprendizagem de estudantes que apresentavam altos níveis de ansiedade e dificuldades no aprendizado, muitas delas excluídas do ensino remoto por não possuírem aparelhos eletrônicos como computador e/ou celular, assim como pacotes de dados móveis que oferecessem o suporte necessário ao aprendizado. Muitos professores sequer conseguiram ver os rostos dos estudantes que, quando conseguiam frequentar a aula, não tinham como se mostrar. Invisibilidade de rostos e, mais do que isso, invisibilidade social.

A breve reflexão que se faz aqui é sobre como lidar com os impactos do evento pandêmico. As inegáveis perdas no ensino de história durante as aulas remotas é um fato. Mas, se considerarmos que a constituição da consciência histórica dos indivíduos não se dá apenas no ambiente escolar, se assumirmos que estudantes aprendem história na televisão, com os familiares, entre outros, por meio de uma dimensão que é pública, é possível afirmar que, mesmo não tendo acesso ao conteúdo proposto pelo currículo formal, eles certamente acessaram conhecimentos que os auxiliaram na orientação para a vida prática durante a pandemia. Especialmente com os debates sobre vacinação e negacionismos, acompanhados de explicações sobre o que é uma pandemia e sobre quais pandemias a humanidade vivenciou em outros momentos.

O historiador Jörn Rüsen afirma que a consciência histórica dá estrutura ao conhecimento histórico como um meio de entender o presente e antecipar o futuro. Pode ser analisada como um conjunto coerente de operações mentais que definem a peculiaridade do conhecimento histórico e a função que ele exerce na cultura humana. Assim, por meio da compreensão da experiência temporal, os indivíduos mobilizam a sua consciência histórica com o intuito de orientar sua vida prática.

Passado o momento de isolamento social, há pelo menos duas posturas que podem ser adotadas em relação ao aprendizado histórico. A primeira, muito recorrente, é o lamento pelo descompasso no processo de formação de crianças e jovens. Muitas vezes, esse sentimento é acompanhado de outros, como o de impotência do professor e da escola frente à realidade que ora se apresenta. A segunda, ao meu ver, mais interessante, é a reflexão sobre como os estudantes mobilizaram sua consciência histórica durante a pandemia. O que eles aprenderam? Como aprenderam? E de que forma esses conhecimentos podem ser relacionados a outras experiências temporais, que agora serão estudadas para, assim, auxiliar na modificação da sua consciência histórica e ampliar seus horizontes de perspectivas futuras?

Viver uma pandemia como a de Covid-19 não foi/é fácil, especialmente se forem considerados os condicionantes da vulnerabilidade social de grande parte dos jovens e crianças que frequentam a escola pública brasileira. Mas esse período longe da escola não pode ser considerado simplesmente como um “apagão”. Nós, professores, lidamos com pessoas, com vidas que pulsam e aprendem para além do espaço escolar, embora muitos professores ainda tentem se convencer, equivocadamente, de que são os únicos ou os maiores responsáveis pelo processo de ensino/aprendizagem. E somente se buscarmos aprender com o que foi aprendido pelos estudantes ao longo desse período, encontraremos caminhos melhores para atravessar os impactos da Covid na Educação.

*Ricardo dos Santos Batista é pesquisador de pós-doutorado na Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC/Fiocruz), professor do Programa de Pós-graduação em História da Universidade do Estado da Bahia (UNEB, Campus II), do Programa de Pós-graduação em Ensino, Filosofia e História das Ciências da Universidade Federal da Bahia, e da Educação Básica.

Referência:

RÜSEN, Jörn. Didática da história: passado, presente e perspectivas a partir do caso alemão. In: SCHMIDT, Maria Auxiliadora; BARCA, Isabel; MARTINS, Estevão Resende. Jörn Rüsen e o ensino de história. Curitiba: Editora UFPR, 2011.