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Especial História e Covid-19 | Experiência com as Humanidades Digitais entre a comunidade historiadora no Brasil pandêmico

17 abr/2023

Daiane Rossi (COC/Fiocruz)*

 
 

Em outubro de 2013 o blog da revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos publicou a matéria com o título Campo que se consolida, ‘Humanidades Digitais’ reúne estudos na Brasiliana, dando destaque para o primeiro Seminário Internacional em Humanidades Digitais no Brasil que ocorreu entre 23 a 25 de outubro daquele ano, na Universidade de São Paulo (USP). Chama atenção a chamada às Humanidades Digitais (HD) associada a um “campo que se consolida”, principalmente devido a data do texto. Há uma sensação de que a pandemia da Covid-19 acelerou os projetos em torno das HD, sobretudo porque dada a demanda ao trabalho remoto muitas pesquisas precisaram se reinventar, as universidades tiveram que se adaptar ao mundo totalmente virtual e, como consequência, a reflexão sobre o mundo digital tornou-se mais frequente. Assim, por vezes parece que essa temática surgiu de 2020 pra cá, porém, como destaca o blog, ele já era um campo em ascensão há quase dez anos.

Nos interessa nesse texto trazer essa reflexão, insistindo na ideia de que as HD se fizeram mais presentes no mundo pandêmico, em especial, entre os(as) historiadores(as), como sugerem Eric Brasil e Daniel Alves em que apontam a aceleração, nestes tempos, da transição digital (ALVES; BRASIL, 2022). Tomaremos como exemplos desse crescimento alguns projetos e disciplinas, com destaque a experiência vivida no Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Fundação Oswaldo Cruz.

De norte a sul do Brasil vemos emergir diversas iniciativas voltadas a soluções digitais e virtuais para conseguir adaptar as práticas de ensino e de pesquisa durante a pandemia. Um mapeamento sobre grupos e laboratórios de pesquisa em HD, realizado pelo Laboratório em Rede de Humanidades Digitais (LARHUD) do IBICT/UFRJ, apontou que no sudeste brasileiro existem 26 projetos voltados à temática, seguidos por 11 do Nordeste, três do Sul e um do Centro-Oeste. Já na Universidade Federal da Bahia (UFBA), em parceria com a Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), se fortaleceram as práticas no LABHD (Laboratório de Humanidades Digitais), criado em 2018. Entre as atividades, ocorreram diversas lives no Youtube com apresentação de pesquisas e ferramentas digitais; desenvolvimentos de novos softwares direcionados à História Digital; além de disciplinas em cursos de graduação como “Introdução à História Digital”, oferecida por Eric Brasil na Unilab em 2021.

Já no estado de São Paulo, destaca-se o Centro de Humanidades Digitais (CHD), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) que catalogaram projetos que visassem arquivar experiências de pessoas comuns durante a pandemia, o Coronarquivo, que mapeou cerca de 100 projetos de memória da pandemia no Brasil, como vemos na imagem abaixo. Cada um dos pontos marcados no mapa representa algum tipo de memorial da covid, sejam memórias digitais, projetos de arquivamento, grafites ou monumentos construídos.

Figura 1Mapa interativo: Memoriais da Covid-19 no Brasil

Entre as iniciativas mapeadas, está o projeto Arquivos da pandemia: memórias da comunidade Fiocruz, organizado pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) com o objetivo de recolher depoimentos e documentos dos membros da instituição e da população dos territórios do entorno relacionados à pandemia de Covid-19. Esse trabalho reuniu uma equipe multidisciplinar, que contava com historiadoras(es), arquivistas, jornalistas, museólogas(os), entre outros profissionais, fazendo jus a noção de que humanidades digitais dizem respeito a uma comunidade de práticas, como define Daniel Alves (ALVES, 2016).

Outra proposta da COC/Fiocruz no âmbito das HD e ainda no contexto pandêmico, foi a disciplina Metodologias da Pesquisa em Humanidades Digitais, ofertada no PPGHCS, pela professora Daiane Rossi, em colaboração com o professor Fábio Gouveia, do Programa de Pós-Graduação em Divulgação da Ciência, também da COC, e do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação do IBICT/UFRJ. Foi a primeira vez que essa temática foi debatida diretamente em uma disciplina na Casa, o que certamente ocorreu devido a grande demanda que o mudo virtual nos impôs, somado ao interesse dos(as) alunos(as) em explorar novas ferramentas para suas pesquisas, sobretudo aquelas disponíveis em ambientes virtuais ou digitais. O curso, ministrado no primeiro semestre de 2022, chegou a receber 53 interessados(as), entre matriculados(as) e ouvintes, não apenas dos PPGs envolvidos, mas também de outros estados brasileiros e até mesmo 2 alunas de Moçambique. A formação superior também variava bastante, embora a História predominasse, tínhamos alunos(as) da Biblioteconomia, Ciência da Informação, Biologia, Educação Física, Comunicação Social, Direito e Economia.

A diversidade da turma, em termos regionais e de formação, possibilita reflexões sobre temas como as desigualdades que as humanidades digitais também ressaltam, a qualidade do acesso à internet, a bons equipamentos com uma memória compatível para processar os softwares necessários para pesquisa; além da desigual distribuição de recursos entre as diferentes unidades da federação e entre os cursos e programas de pós-graduação. Estes elementos, que dizem respeito a financiamento do ensino e da pesquisa no Brasil, é um problema generalizado, no entanto, quando falamos de HD, nos referimos também a tecnologia e ao seu alto custo. Temos condições de manter os acervos digitais por longos períodos? Quem irá financiar a atualização dos softwares elaborados especificamente para nossas pesquisas? Ou ainda, quando e como podemos produzir softwares livres e gratuitos que possibilitem o acesso amplo a nossa comunidade? São perguntas que abrem espaço para reflexões necessárias se quisermos dar andamento ao que podemos chamar de legado pandêmico.

*Daiane Rossi é historiadora. Doutora em História das Ciências pela Fundação Oswaldo Cruz, com doutorado sanduíche na Universidade de Évora. Desde 2020 realiza pós-doutorado na Casa de Oswaldo Cruz, com bolsa FAPERJ nota 10, onde desenvolve o projeto "Mulheres nas ciências: profissionalização e trajetórias científicas (Rio de Janeiro – DF, 1940-1960)". Em 2022 foi professora visitante na Universidade de Lisboa e, atualmente, também é professora assistente na Universidade Franciscana.

Referências:

ALVES, D. As Humanidades Digitais como uma comunidade de práticas dentro do formalismo académico: dos exemplos internacionais ao caso português. Ler História, [S. l.],  n. 69, p. 91–103, 30 dez. 2016.

ALVES, D.; BRASIL, E. Humanidades Digitais na teoria e prática da História. Práticas da História. Journal on Theory, Historiography and Uses of the Past, [S. l.],  n. 14, 10 out. 2022. Disponível em: https://praticasdahistoria.pt/article/view/28204. Acesso em: 14 out. 2022.

Campo que se consolida, "Humanidades Digitais reúne estudos na Brasiliana, out. 2013. História, Ciências, Saúde – Manguinhos. Disponível em: https://www.revistahcsm.coc.fiocruz.br/campo-que-se-consolida-humanidades-digitais-reune-estudos-na-brasiliana/. Acesso em: 7 out. 2022.

Grupos de Pesquisa em HD – LARHUD. [s. d.]. Disponível em: http://www.larhud.ibict.br/index.php?title=Grupos_de_Pesquisa_em_HD. Acesso em: 14 out. 2022.

Arquivos da Pandemia: Memórias da Comunidade Fiocruz – Omeka. [s. d.]. Disponível em: https://arquivosdapandemia.fiocruz.br/s/tema1/page/inicio. Acesso em: 14 out. 2022.

Mapa Interativo: Memoriais da Covid-19 no Brasil | Centro de Humanidades Digitais. [s. d.]. Disponível em: https://www.chd.ifch.unicamp.br/node/71. Acesso em: 14 out. 2022.

SETIC-UFSC. Humanos e Digitais. [s. d.]. Disponível em: https://humanosedigitais.ufsc.br/projeto/. Acesso em: 7 out. 2022.