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Especial História e Covid-19 | Ensino de História: para onde vai a formação de professores no pós-pandemia?

23 mar/2023

Margarida Maria Dias de Oliveira (UFRN)*

 
 

Durante a semana que estamos vivenciando, em meio ao feriado do 15 de novembro pela Proclamação da República, fomos avisados que o Comitê científico recomendou o retorno a utilização de máscaras para prevenção de contaminação por novas subvariantes da Covid-19.

Esse fato nos chama à atenção para a realidade que continuamos a experienciar: a pandemia não acabou, diminuíram as mortes, a vacinação aumentou consideravelmente, mas o mundo que chegou aos 8 bilhões de habitantes nesses dias, nem de longe vive momentos pouco desafiadores.

Não só pelos fatos problemáticos como pandemia e destruição do meio ambiente, mas porque as sociedades que emergem das culturas digitais incitam a necessidade de conciliação com uma instituição que remonta ao século XVI e que, apesar das suas inúmeras adequações, é reiteradamente apontada pelos mais jovens e/ou críticos como, no mínimo, desassociada da realidade: a escola.

E há algumas situações nas escolas públicas brasileiras sobre as quais, dialogando com os conhecimentos acadêmicos, devemos buscar soluções respeitando dois tempos: o da gestão (e das demandas do cotidiano escolar) e o da produção de conhecimento acadêmico e científico.

Refiro-me ao que está sendo referenciado nos noticiários como “apagão de professores”, isto é, a falta de profissionais de todas as áreas para o ensino e o fato de os professores que estão em exercício serem “forçados” a ministrarem componentes curriculares que não são os da sua formação inicial.

Sobre a inexistência de profissionais formados para atuar no ensino na quantidade que requer o país, sabemos, há ligação com as condições de trabalho, com o status social, com a remuneração, entre outros fatores. Contudo, isso leva a um problema que é: como faremos para resolver essa questão? Agilizar a formação de professores? Se agilizar, garantiremos a qualidade dessa formação?

Uma resolução do Conselho Nacional de Educação publicada em 2019 e amplamente criticada pelos estudiosos já apontava para a solução da abreviação da formação e, principalmente, vinculava essa formação a aprender a aplicar a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Isso é coerente com um imaginário sobre o profissional docente como um transmissor de informações e não um mediador na construção de situações de ensino-aprendizagem. Se, por um lado, isso não atende as necessidades apontadas nas pesquisas uma formação nessa linha também não atenderia a escola contemporânea. Uma das desmotivações nos cursos de licenciatura é a dissociação com demandas dos cidadãos em formação e não é retrocedendo a estereótipos de professores que indicaremos algum norteador adequado. Mas, infelizmente, não podemos dizer que as universidades têm sido ágeis em alinhar formação e demandas escolares.

Aliás, um dos grandes desafios é fazer com que o diálogo universidade-escola seja simétrico, em geral, a universidade aponta para a escola, assinalando erros como se na academia eles não acontecessem. É muito comum a imagem que aprendemos a teoria nas universidades e na prática tudo é diferente, como se a segunda devesse se adequar a primeira e quando isso não acontece é porque a realidade está errada. É preciso entender o papel das teorias e as situações práticas serem analisadas na sua complexidade.

O que considero mais pernicioso é a formação de professores ainda está muito centrada na apreensão de informações e não sobre como a especificidade dos conteúdos nos dar condições de ler o mundo de perspectivas plurais e mediada por variáveis diferenciadas. A manutenção da ideia de aprender um conteúdo e ser um simplificador para alunos da educação básica empobrece a formação, restringe a ideia de educar o cidadão, não atende a escola na atualidade e, sobretudo, não prepara o futuro professor para trabalhar com a diversidade social brasileira que de potencial enriquecedor se torna em problema a mais com o qual o docente não sabe lidar.

Afirmar contundentemente que o professor de História não pode/deve assumir as aulas de Filosofia, Geografia ou Sociologia ou vice-versa mesmo sendo compreensível pela especificidade da formação e da defesa dos respectivos profissionais, não é realístico diante da demanda das escolas e das necessidades dos próprios professores. Afinal, a manutenção em um local de trabalho já conhecido, a diminuição de locomoções, a economia de tempo e gastos com deslocamentos, entre outros fatores, encoraja os profissionais a assumirem outras disciplinas a despeito do julgamento acadêmico.

Não estou com essas breves reflexões opondo conhecimento e ideais acadêmicos a realidade escolar, nem tampouco defendendo que a academia deva se curvar as necessidades da gestão e renunciar à sua criticidade em relação aos problemas sociais e educacionais. Somente estou lembrando que é preciso buscar soluções que podem ser temporárias quando sociedade e idealidade estão em descompasso.

Os potenciais leitores dessas notas podem se perguntar se essas são situações só vistas após o período pandêmico. Eu afirmo que não, porém, defendo que após um momento de crise generalizada como essa, as demandas por alterações mais rápidas no que já se avaliava como problemático é muito mais recorrente e, tudo isso, já era evidente em relação a escola como instituição formadora das nossas gerações subsequentes.

Precisamos, portanto, ser corajosos e alterar a escola, posto que, apesar dos seus problemas, uma sociedade sem uma instituição que atenda aos interesses coletivos de formação por meio dos conhecimentos sistematizados não é uma alternativa adequada.

*Margarida Maria Dias de Oliveira é professora titular do Departamento de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).