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Conseqüências de não haver uma verdade substancial

27 set/2010

O professor titular da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Luiz Costa Lima, esteve no dia 23/9, no Encontro às Quintas, para falar sobre a pluralidade de “verdades” – a religiosa, a científica, a filosófica, a poética. Procurando mostrar a relevância de temas filosóficos, aparentemente distantes, para a vida atual, levantou muitas perguntas. A primeira delas: como se forma e como se deteriora a concepção substancialista da verdade?

Foto de Luiz Costa Lima
Luiz Costa Lima. Foto: Vinicius Pequeno (COC)

Inicialmente, a partir de um artigo do historiador norte-americano, falecido recentemente, Tony Judt, publicado no número de janeiro de 2010, no New York Reviews of Books, chama a atenção para o fato de que, nos últimos 30 anos, a maior parte do mundo de fala inglesa, sobretudo os Estados Unidos, responde a questão se uma iniciativa proposta é boa ou má, considerando “se ela é eficaz, produtiva”, com a tendência de evitar considerações de ordem moral e de valor. Assim, de fato, no mundo atual, as decisões cotidianas e de governo são decididas a partir de critérios de eficiência que não remetem a questão da verdade.

A partir daí, Costa Lima passa a fazer um histórico sobre o que se entende como verdade no Ocidente? Começando por Platão, o primeiro sistematizador do tema na Grécia Antiga, o que orienta o conhecimento humano é a busca da verdade, e este formula as condições adequadas do ser. “Cada coisa é, na sua essência, algo além do que parece ao sujeito”. Para Platão não há conhecimento do que quer que seja, se esse conhecimento não é estável. Não pode haver o ser sem a permanência do ser. O segundo passo dado por Platão é que, para ser satisfatória, a idéia de essência ainda é genérica, abstrata, então como introduzir o específico no genérico? Será necessário, dentro da abstração máxima, o abstrato do específico, e a substância é o “em si” (essência) do específico. “Aquilo que é sob aquilo que está é a substância”. Estas questões são a base platônica da teoria do conhecimento do Ocidente.

E Aristóteles, como seu discípulo, problematizou ou complexificou as idéias do seu mestre Platão. De acordo com ele, existe uma ciência que concebe o ser enquanto ser. “A substância de uma coisa significa que a essência dela não pode ser diferente”. Costa Lima explica que a ciência do ser abrange a substância, o que pode existir independente de outras coisas, enquanto as outras coisas não podem existir sem aquelas. Não basta que algo apareça para que algo seja. Aristóteles defendia que pelo fato da palavra ter uma substância, é que a faz ter sentido.

Robert observando Luiz Costa Lima ao microfone
Robert Wegner, pesquisador da COC, e Luiz Costa Lima. Foto: Vinicius Pequeno (COC)

 No segundo momento da palestra, Costa Lima chama a atenção para o fato de que o auge do pensamento grego se dá em Atenas com a conversão da polis em colônia do Império Romano. A partir daí, o que era especulativo na Grécia passa a ser pragmático em Roma. Posteriormente, com a cristianização do Império, “a substância da qual falávamos será tratada de forma associada à idéia de um criador”. Segundo Costa Lima, o sentido de ficção é heresia para o pensamento cristão porque nele existe um Criador. Só no século 19 é que a ficção é empregada como literatura. Entre os séculos 17 e 19, sob o signo de Bacon e Descartes, o pensamento ocidental  tratará da “verdade” cientificamente. A famosa frase do filósofo francês Descartes, “Penso, logo existo”, considera que o plano da existência é fundamental para compreender o “cogitar”. Nesse sentido, o pensamento científico vai contra o pensamento cristão.

O terceiro momento da palestra de Costa Lima tratou do campo da filosofia do século XX, que rompe com a noção substancialista de verdade. Neste caso, a figura destacada foi Martin Heidegger, pensador alemão que entende que há de se indagar o ser no campo da existência, o que significa dizer que a existência caracteriza-se pela opacidade. É o lastro imenso de opacidade que impede o ser de mostrar-se. No entanto, subitamente o ser irrompe a verdade das coisas, explica Costa Lima, e mostra-se: é a clareira do ser. E esta clareira acontece de improviso. A ciência e a arte são instrumentos através dos quais a clareira se mostra. “O ser não tem nada de metafísico, ele está conosco”.

Durante o debate do Encontro às Quintas, Costa Lima abordou a verdade histórica, e falou que toda sociedade sempre traz uma teoria do conhecimento, e cada área do conhecimento parte da aporia, e qual é a aporia da História? Para o palestrante, “não existe verdade histórica senão provisória, o que produz angústia aos historiadores”.

Outra questão colocada no debate: a ciência deve ser produtora de verdades? A seu ver, “não espere chegar à clareira adotando a opacidade profissional”. E ainda, retornando ao ponto de partida, corroborando o artigo de Tony Judt, afirmou que “o critério da eficiência torna-se tão cotidiano que poucas vezes abre-se os ouvidos para a inquietude”.

Costa Lima é autor de diversos livros, entre eles, O Controle do Imaginário (1984), Sociedade e o Discurso Ficcional (1986), O Fingidor e o Censor: no Ancien Régime, no Iluminismo e Hoje (1988), A Aguarrás do Tempo: Estudos sobre a Narrativa (1989) Pensamentos nos Trópicos (1991), Limites da Voz: Montaigne, Schlegel (1993), Limites da Voz: Kafka (1993), Vida e Mimesis (1995), e Terra Ignota (1