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Familiares de cientistas cassados pela ditadura nos anos de 1970, amigos e pesquisadores reunidos em homenagem na COC/Fiocruz

COC/Fiocruz homenageia cientistas cassados pela ditadura

Haendel Gomes

29 maio/2024

Em evento realizado em 15 de maio no Salão de Conferência Luiz Fernando Ferreira, no Centro de Documentação e História da Saúde (CDHS), a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) reverenciou os cientistas que foram injustamente cassados durante os anos da ditadura militar brasileira. A atividade integrou a programação do seminário Ciência, Saúde e Memória – 60 anos do golpe de 1964. Em um momento carregado de emoção, parentes e representantes dos homenageados compartilharam suas lembranças e palavras de gratidão.

Vice-diretora de Pesquisa e Educação da Casa, Magali Romero Sá citou o antropólogo Darcy Ribeiro na abertura do evento. “A lágrima que eu choro é pelas pesquisas que foram interrompidas e que nunca mais se farão. É pelos jovens cientistas que teríamos formado e não se formarão nunca”, leu a pesquisadora, numa referência ao discurso de Darcy Ribeiro na cerimônia de reintegração dos cassados em 1986, quando se referiu à perseguição política a dez cientistas da Fiocruz, episódio que ficou conhecido como Massacre de Manguinhos.

Na ocasião, foram entregues a representantes de alguns cientistas fotos históricas da solenidade de reintegração dos cassados à Fiocruz, promovida em 15 de agosto de 1986.

Homenagem a cientistas cassados é marcada pela emoção

Representando Masao Goto, um dos cassados, Maria Alice Goto, filha do cientista, expressou sentimento de resistência e comprometimento com os ideais que esses cientistas defenderam “Estamos aqui. Sobrevivemos e vamos lutar pela saúde e com a democracia”, disse.

Também muito emocionda, a psicóloga Ana Helena Moussatché, filha do cientista Haity Moussatché, expressou sua gratidão: “Eu quero agradecer a vocês de todo coração esse momento. Não estou aqui sozinha, tenho certeza de que ele está muito feliz por aqui […] É disto que precisamos: de momentos como estes, de pessoas comprometidas com o conhecimento. Foi isso que aprendi com ele, o amor pelo conhecimento”, declarou.

“Esse encontro […] é único na minha vida. Volto para casa com esta data marcada em minha vida, de felicidade e reconhecimento. Eu falo a meu pai, mas também a todos aqueles que sofreram com o mesmo destino que ele teve, mas não ficaram quietos. Saíram pelo mundo para espalhar e oferecer os seus conhecimentos. Muito orgulho desse homem, muito orgulho do meu pai, não só como pesquisador, mas como pessoa”, disse.

Outro convidado que participou da cerimônia foi o pesquisador aposentado do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) Pedro Jurberg, irmão de José Jurberg, que foi discípulo de Herman Lent, um dos cientistas cassados. “Herman Lent era uma pessoa muito especial. Não somente teve o José como escudeiro, como o formou um cientista”, frisando que o irmão teve papel especial no retorno dos cientistas à Fundação.

“Quando [Sérgio] Arouca [ex-presidente da Fiocruz] disse, em seu discurso, que fazia parte do seu programa trazer os cassados [de volta à instituição], o José grudou no Arouca, que trouxe cada um desses pesquisadores que retornaram a Manguinhos. Ele […] ganhou uma placa comemorativa por esse apoio que ele deu aos pesquisadores”, relatou Pedro Jurberg.

Pesquisador titular da Fiocruz e colaborador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Jonas Enrique Perales Aguilar também fez um discurso emocionado e compartilhou sua gratidão e orgulho pela trajetória de Haity Moussatché.

“É difícil falar num momento como este. Dr. Moussatché foi meu ‘pai’ […]. Eu cheguei a esse laboratório com Dr. Moussatché e a gente não tinha uma pipeta Pasteur. Hoje eu me orgulho em dizer que temos um dos laboratórios mais bem estruturado do mundo […]. Não há um laboratório como temos aqui, construído graças a Dr. Moussatché”, disse o cientista.

Homenagem teve presença de ex-presidentes da Fiocruz

O médico Paulo Gadelha, presidente da Fiocruz entre 2009 e 2016, emocionou-se ao destacar a importância da homenagem aos cientistas cassados durante a ditadura militar. Ele enfatizou que esse episódio sombrio representou não apenas uma marca negativa para a ciência e o pensamento crítico, mas também uma oportunidade de superação e resiliência para a instituição.

Gadelha recordou o compromisso do ex-presidente Sérgio Arouca em resgatar não apenas a justiça para os cassados, mas também a visão ampla de cientistas como Walter Oswaldo Cruz, que mesmo sofrendo perseguições, buscava recompor um instituto baseado na liberdade de pesquisa.

Aos 80 anos, o pesquisador titular da Fiocruz Carlos Morel relembrou sua primeira experiência com o professor Haity Moussatché, destacando a importância de sua atuação ativa na Fiocruz. Morel recordou o encontro com Moussatché nos anos 1980, quando este expressou gratidão por um discurso proferido em 1979. Na ocasião, Morel destacara a importância de Moussatché como um modelo de integridade humana e resistência à ditadura. Morel presidiu a Fundação entre 1993 e 1997.

Em seus depoimentos durante a cerimônia no CDHS, ambos os ex-presidentes ressaltaram a valorização da memória dos cientistas cassados e a importância de continuar projetando futuros promissores, para manter viva a capacidade de resposta e resistência da Fundação Oswaldo Cruz diante de desafios históricos.

O Massacre de Manguinhos

O Massacre de Manguinhos, ocorrido em 1970 durante a ditadura militar no Brasil, foi um episódio sombrio que marcou a história da ciência no país, no qual renomados cientistas do Instituto Oswaldo Cruz foram cassados e perseguidos, sendo afastados de seus laboratórios e aposentados compulsoriamente.
Entre os cientistas cassados estavam Herman Lent, Hugo de Souza Lopes, Masao Goto, Sebastião José de Oliveira, Haiti Moussatché, Fernando Braga Ubatuba, Domingos Arthur Machado Filho, Moacyr Vaz de Andrade, Augusto Cid de Mello Perissé e Tito Arcoverde Cavalcanti de Albuquerque.