Pesquisadora da Universidade Federal de Juiz de Fora, Cláudia Viscardi apresentou os resultados obtidos em suas pesquisas sobre as associações mutualistas, que existiram em diversos estados brasileiros, durante a Primeira República. “As mutuais eram beneficentes ou filantrópicas e foram criadas quando ainda não havia qualquer política nacional de segurança e de saúde do trabalhador” explicou, acrescentando que “não defendiam interesses políticos, classistas ou sindicais dos trabalhadores, pois o objetivo era a ajuda mútua, a seguridade e a sociabilidade”. Ela estudou algumas dessas sociedades de Minas Gerais e do Rio de Janeiro, que deixaram de existir a partir de 1930, com o surgimento do seguro desemprego.
Doutora em história social e editora da revista Locus, Cláudia Viscardi destacou que as associações mutualistas prestavam assistência e eram espaços de lazer. “Na ausência de alternativas, as festas que promoviam para arrecadar fundos chamavam atenção e aglutinavam todos na cidade”. Segundo a professora, as sociedades mutualistas eram “portadoras de uma ideologia, em um momento de transição entre a tradição e a modernidade e, por isso mesmo, revelavam contradições”. Havia associações de diferentes categorias, como as religiosas, as de ofício ou grupo profissional ou ainda as étnicas.
Observada por Robert Wegner, a historiadora Cláudia Viscardi faz sua exposição sobre associações mutualistas no Encontro às Quintas de 10 de maio. Fotos: Roberto de Jesus |
Homens entre 16 e 55 anos constituíam a grande maioria dos sócios, que pagavam mensalidades baixas. Segundo Viscardi, ela descobriu, em jornais de Juiz de Fora, referências às mensalidades, que correspondiam “a valores menores do que se paga a uma cerveja”. Em geral havia obstáculos para a associação de mulheres e de algumas nacionalidades de imigrantes. Doentes, crianças, inválidos e escravos eram vetados nas sociedades mutualistas, que reuniam grupos homogêneos, com interesses comuns.
Entre os valores compartilhados pelas associações, segundo a pesquisadora, vale ressaltar a exaltação da masculinidade, das ritualizações, da propriedade privada, em que defendiam a importância de o indivíduo trilhar seu próprio caminho com autonomia, sem o auxílio do Estado. Os associados davam muita importância à educação, daí muitas dessas sociedades construírem suas próprias escolas, ministrarem aulas de iniciação artística, comprarem livros para a biblioteca. “Eles faziam até mesmo sessões de leitura do jornal do dia”.
Viscardi também mostrou outros aspectos valorizados pelas sociedades mutualistas, que divulgavam “a ética e a disciplina do trabalho, bem como os direitos do trabalho”. Os associados das mutuais pregavam “a manutenção da ordem, o respeito à família, a obediência às leis” e faziam verdadeiros rituais religiosos e fúnebres, grandes acontecimentos, quando crianças uniformizadas faziam apresentações, cantavam. Para ajudar a causas pontuais, angariavam fundos em festas beneficentes, amplamente divulgadas pela imprensa local.
O tempo de existência de uma associação mutualista em geral era em torno de pouco mais de 20 anos e acabavam “quebrando”. A professora deu um exemplo do por quê disso acontecer: quando uma epidemia fazia muitas vítimas, entre elas integrantes da associação, depois de garantir assistência médica a todos, a instituição falia.
Alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde participam do Encontro às Quintas, em que discutiram as Mutuais, associações beneficinetes que funcionaram até a década de 1940 no Brasil. |
A professora explicou que nos últimos anos o mutualismo foi tema de várias teses e artigos acadêmicos, especialmente em Minas Gerais, e que há duas abordagens entre os estudos: o mutualismo a partir da ótica do trabalhador ou da assistência.
A exposição de Cláudia Viscardi foi no Encontro às Quintas de 10 de maio, no prédio da expansão do campus da Fiocruz em Manguinhos. O próximo convidado é Flávio Edler, pesquisador da Casa de Oswaldo Cruz, que em 24 de maio vai falar sobre “Como alguns vermes ajudaram a redefinir as fronteiras da medicina brasileira”.
Veja a exposição no Facebook da Casa de Oswaldo Cruz