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Historiadores lançam livro sobre o papel da filantropia na prestação da assistência à saúde no Brasil e em Portugal

18 mar/2015

Foto: Darcy Vargas com outras pessoas em visita ao Ipai
A então primeira-dama Darcy Vargas visita o Instituto de Proteção e Assistência à Infância, fundado pelo médico Moncorvo Filho. Foto: Augusto Malta.

Pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Gisele Sanglard, Luiz Otávio Ferreira e Tânia Salgado Pimenta assinam a organização do livro Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no Brasil e em Portugal, da FGV Editora. Entre as questões centrais da obra, está o conceito de filantropia e sua aplicação, dando ênfase à atuação dos médicos e à saúde pública.

Com a publicação, os autores jogam luz nas discussões atuais sobre o tema da filantropia, da saúde e da organização da assistência. Para isso, “buscou-se reunir pesquisadores brasileiros e portugueses que se dedicam aos estudos acerca de filantropos e agentes públicos envolvidos na estruturação da rede de assistência, que na época tinha uma dimensão mais ampla do que entendemos hoje, envolvendo questões de saúde, educação, valores morais e sociais”, afirmam os organizadores na apresentação da obra.

Além dos pesquisadores da COC, também são organizadores Maria Martha de Luna Freire, do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal Fluminense (UFF) e Maria Renilda Nery Barreto, do Centro Federal de Educação Tecnológica Celso Suckow da Fonseca (Cefet-RJ); ambas com doutorado em História das Ciências e da Saúde pela COC.

A obra

O livro está dividido em quatro eixos temáticos: Elite e caridade, Médicos e filantropos, Filantropia em ação: ligas, asilos e maternidade; e Filantropia na literatura feminina.

O primeiro capítulo — O privilégio da caridade: comerciantes na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro (1750-1822) —, de Renato Franco, analisa a composição social dos irmãos daquela instituição, a principal de caráter assistencial da cidade. O texto destaca a importância dos novos segmentos econômicos, os homens de negócio, que tinham presença certa nas funções diretivas da Misericórdia, sobretudo a partir da segunda metade do século 18, lutando pelos privilégios da irmandade e tornando-se, desta forma, os protagonistas da caridade institucional na cidade.

As pesquisadoras Tânia Salgado Pimenta e Elizabete Vianna Delamarque assinam trabalho nesse mesmo eixo. No capítulo O estado da Misericórdia: assistência à saúde no Rio de Janeiro, século XIX, as autoras falam das relações entre o Estado e a Santa Casa do Rio de Janeiro, enfatizando os espaços políticos ocupados pelos provedores da Misericórdia, especialmente o provedor José Clemente Pereira. As historiadoras revelam o processo de medicalização do hospital e de organização de sua administração, com definição de normas e hierarquias, mostrando a inflexão no modo como o Estado passou a encarar a saúde pública em virtude das primeiras grandes epidemias. Doenças como a febre amarela e a cólera grassaram em várias cidades do Brasil em meados do século 19.

No segundo eixo, a historiadora Gisele Sanglard escreve o capítulo Filantropia e política pública: Fernandes Figueira e a assistência à infância no Rio de Janeiro na Primeira República. A autora discute o projeto desenvolvido pelo personagem, médico e filantropo fundador da Policlínica das Crianças, instituição vinculada à Irmandade da Misericórdia carioca, onde Fernandes Figueira colocou em prática conhecimentos sobre a alimentação infantil.

Outro capítulo é Crescêncio Antunes da Silveira: um médico filantropo baiano, escrito por Cleide de Lima Chaves. A pesquisadora mostra uma discussão sobre a filantropia praticada por ele nas primeiras décadas do século passado. Ela analisa a contribuição do médico para o estabelecimento desse tipo de prática em Vitória da Conquista, no interior baiano, destacando a articulação entre sua trajetória médica e política e a história e a memória da construção e manutenção do Hospital da Santa Casa de Misericórdia da cidade.

O terceiro eixo do livro — Filantropia e ação: ligas, asilos e maternidades — inverte a lógica do eixo anterior. Apesar de também analisar a ação de indivíduos ou grupos, enfatiza a instituição, sua estruturação e objetivos. O capítulo de abertura assinado por Maria Renilda Nery Barreto é intitulado Dar à luz no Rio de Janeiro da belle époque: o nascimento das maternidades (1870-1920). A autora narra a criação das primeiras maternidades na cidade, entre 1877 e 1920, a partir do contexto da modernização urbana, do crescente prestígio das especialidades médicas, da conexão entre a filantropia e o poder público, da participação feminina e, também, da articulação entre ciência, assistência e construção da nação.

O texto de Renata Prudêncio da Silva e Ana Teresa Venancio, cujo título é Fernandes Figueira: ciência e assistência médico-psiquiátrica para a infância no início do século XX, leva o leitor ao início da institucionalização da assistência à saúde da criança no Brasil. As autoras abordam a implantação, em 1903, de um serviço de assistência psiquiátrica especializado no tratamento das chamadas “crianças anormais” no Hospício Nacional dos Alienados, localizado no Rio de Janeiro.

Ainda no terceiro eixo, o capítulo escrito por Lidiane Monteiro Ribeiro e Luiz Otávio Ferreira — Medicina e filantropia contra o abandono institucionalizado: transformações da assistência à infância na Bahia (1923-1935) — aborda as transformações da assistência à infância na Bahia durante as décadas de 1920 e 1930. Os autores falam da Liga Bahiana contra a Mortalidade Infantil, liderada pelo pediatra e catedrático da Faculdade de Medicina da Bahia, Joaquim Martagão Gesteira. Segundo Lidiane e Luiz Otávio, trata-se de um caso exemplar de instituição filantrópica. Cumpriu um duplo papel ao atuar, ao mesmo tempo, como órgão público de fiscalização da assistência à infância e serviço de assistência alinhado às orientações oficiais da saúde pública. De acordo com o estudo, essa dupla função possibilitou à liga protagonizar a extinção do mais antigo e tradicional sistema de assistência à infância: a popular “roda dos expostos”.

O último eixo temático de Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no Brasil e em Portugal traz artigos de Ana Maria Bandeira de Mello Magaldi e Suely Gomes Costa. Elas abordam a filantropia na literatura feminina.

No primeiro estudo — intitulado Da caridade à assistência: a proteção à criança e à mulher nas páginas e ações de Júlia Lopes de Almeida —, Magaldi explora o papel social e político da escritora e feminista Júlia Lopes de Almeida através das cenas de seus livros de gêneros diversos. Segundo a pesquisa, as personagens criadas pela escritora viviam em ambientes sociais marcados pela miséria, em que o abandono de crianças e a desproteção de mulheres eram a tônica. Além de sensibilizar os leitores acerca dos problemas sociais e políticos, Júlia Lopes esteve envolvida na criação e administração da Maternidade Pro Matre, estudada por Maria Renilda Nery Barreto.

O capítulo final da obra é Reinações filantrópicas no diário de Alice Dayrell Caldeira Brandt, de autoria de Suely Gomes da Costa. A partir do diário de Alice Brandt, a autora revela as práticas cristãs da vida cotidiana e a abrangência das ações filantrópicas numa sociedade escravista no final do século 19.

Serviço
Livro: Filantropos da nação: sociedade, saúde e assistência no Brasil e em Portugal
Editora: FGV Editora
Páginas: 312
Preço: 42 reais