As tensões, disputas, conflitos de interesse, regulamentação e a busca pela melhor forma de fiscalização do trabalho das agências de avaliação de medicamentos, passando pela crise de confiança em torno dessas instituições, são temas recorrentes no trabalho do sociólogo Philippe Urfalino, um dos mais importantes pesquisadores do assunto na França, com atuação acadêmica também nos Estados Unidos e na Argentina.
Segundo Urfalino, a crise, a partir da retirada de dois medicamentos do mercado – a Lipobay/cerivastatina (Bayer), indicado para reduzir os níveis de colesterol, e o anti-inflamatório Vioxx (Merck) – , gerou mudanças nas análises feitas pelos órgãos reguladores do governo francês, bem como por parte da agência norte-americana (FDA). Por iniciativa das próprias empresas, a retirada dos medicamentos ocorreu em agosto de 2001 e em outubro de 2004, respectivamente.
O sociólogo francês Philippe Urfalino fala aos alunos da pós-graduação da COC
no Encontro às Quintas. Foto: Roberto Jesus Oscar
Em sua palestra, Urfalino também tratou da questão dos genéricos na França. Disse que esses medicamentos se tornaram importantes no mercado francês há décadas. Nos últimos dez anos, o governo desenvolveu uma política bastante ostensiva relativa à entrada no mercado nacional dos medicamentos genéricos, pois até meados da década de 1990 a França tinha uma política de preços baixos no mercado que impedia o desenvolvimento da indústria dos produtos genéricos.
Desde a década de 1960, os Estados adotaram meios jurídicos, científicos e organizacionais para controlar a entrada de medicamentos nos mercados. Segundo o pesquisador francês, seu trabalho abrange um paradoxo principal.
“A qualidade dos medicamentos nunca foi tão controlada e nunca foi tão contestada. Mas a partir da década de 2000 houve uma série de controvérsias, algumas internacionais, em torno da qualidade de alguns medicamentos, ganhando destaque, principalmente, na Inglaterra, na França e nos Estados Unidos, gerando uma crise de confiança, e crítica quanto à pressão que estaria partindo da indústria de medicamentos sobre as agências”, afirma Urfalino.
Urfalino revela que as instituições tomam suas decisões com base em um conjunto complexo de considerações, buscando o equilíbrio entre benefício ao usuário e o risco do produto. Isso também é feito de forma comparativa, ou seja, em relação a outros remédios já existentes.
A crise das agências de medicamentos
Sobre a crise de confiança em torno das agências reguladoras, especialmente, a partir da década de 2000, em razão da retirada de alguns remédios, o professor Philippe Urfalino ressalta que vários relatórios sobre o assunto foram divulgados. Em sua avaliação, isso aconteceu, também, devido ao conhecimento mais profundo em relação aos processos adotados para a tomada de decisão quanto à liberação dos produtos.
Em razão desses acontecimentos, houve um amplo debate público, em torno da desconfiança em relação aos ensaios clínicos e as publicações científicas, que não eram inteiramente confiáveis. O problema foi encarado pelas instituições reguladoras de medicamentos na França e nos Estados Unidos (Food and Drug Administration), que passaram a adotar nova postura para a concessão de autorizações para a colocação no mercado de novos remédios.
Segundo Urfalino, o modelo francês, o qual já não sofre a influência política nas decisões, é mais fechado e, por isso, seria menos transparente. Já nos Estados Unidos há mais conflito. Porém, também mais atuação da sociedade civil, através dos grupos de contestação nas questões sobre a saúde pública.
Diretor do Centro de Sociologia do Trabalho e das Artes, o professor Urfalino possui uma série de funções de relevância em seu país, assim como na Escola de Altos Estudos e Ciências Sociais, em parceria com o Centro Nacional de Pesquisas Científicas, além de trabalhos publicados em revistas especializadas, livros e coletâneas. Também é membro do Conselho Nacional da Aids (França) e do Conselho da Revista Francesa de Sociologia. Os eixos temáticos da pesquisa de Philippe Urfalino abrangem medicamentos, saúde pública, sociologia da decisão e da deliberação e políticas culturais.
A palestra apresentada no Encontro às Quintas, evento promovido pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, foi viabilizada no âmbito do Programa da União Européia Erasmus Mundus, que fomenta o intercâmbio estudantil e acadêmico para fins de estudo, ensino, formação e investigação.