Viagens científicas e visões da natureza foi mais um tema apresentado no Simpósio Internacional Relações Médico-Científicas entre Brasil e Alemanha: história e perspectivas. O pesquisador Luiz Montez, da UFRJ, falou sobre o percurso do naturalista Johann Natterer no Brasil, entre 1817-1835, e a importância do estudo de seu legado.
Montez mostrou fragmentos de cartas, relatórios e do diário de Natterer, obtidos no Museu de Etnologia de Viena, confrontando, com base nesses documentos, a diferença entre o discurso oficial e as próprias anotações de Natterer em seu diário.
Da esq. para dir. Luiz Montez, Lorelai Brilhante Kury e Silvia Figueirôa,
coordenadora da mesa. Foto: Vinicius Pequeno
Johann Baptist Natterer foi o principal colecionador de objetos de história natural, no domínio da botânica, zoologia e mineralogia, vindo na primeira grande expedição científica austríaca no Brasil que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina ao Rio de Janeiro, em 1817. “No Brasil, Natterer foi aquele viajante e cientista sobre o qual absolutamente todos os historiadores ouviram falar, mas cujas viagens, percalços e sucessos no interior de nosso país poucos conhecem e podem descrever com informações precisas”, disse Montez.
O naturalista permaneceu no país por 18 anos, recolhendo objetos de história natural e de etnografia na primeira metade do século XIX que, segundo o pesquisador, constituem uma das maiores coleções do Museu de História Natural do Museu de Etnologia da Áustria.
Emilio Goeldi e sua contribuição – Nelson Sanjad, pesquisador do Museu Parense Emilio Goeldi, apresentou um estudo sobre as tradições e intercâmbios científicos no museu, entre 1894 e 1920. Falou sobre os cientistas germânicos e a existência de uma comunidade transnacional, localizada na Europa Central.
Nelson Sanjad. Foto: Vinicius Pequeno
Segundo Sanjad, já no século XIX havia um sofisticado complexo educacional e científico compreendendo a Suíça, a Áustria e partes da França, Itália, Hungria. Também existia amplo mercado de trabalho para cientistas recém-formados. Mais tarde, devido à saturação desse sistema, cientistas alemães e franceses passaram a circular pelo mundo em busca de conhecimento, trabalho e aventura.
Na América Latina, os países que mais receberam cientistas germânicos foram Argentina, Uruguai, Chile e Brasil. Goeldi estava entre esses cientistas. Assumiu a direção do Museu Paraense, em 1890, implementando uma profunda reforma institucional. Estruturou um museu especializado em história natural e em assuntos amazônicos. Para atuar no museu, foram priorizadas as contratações de cientistas e técnicos germânicos com doutorado ou formação específica, dependendo do cargo.
O Museu Paraense, de 1894 a 1914, foi a instituição científica brasileira que mais publicou em livros, periódicos próprios ou em revistas estrangeiras, principalmente as alemães. “Podemos dizer que as contribuições dos cientistas germânicos foram fundamentais para a institucionalização do campo científico no Brasil”, concluiu Sanjad.
A botânica das viagens ao Brasil: diálogos com Goelth e Humbolt – Esse foi o tema da apresentação da historiadora da Casa de Oswaldo Cruz Lorelai Brilhante Kury, que analisou a produção dos dois naturalistas, abordando a relação entre as viagens e seus registros, entre ciência e suas representações textuais e iconográficas, as reflexões filosóficas sobre a morfologia vegetal e animal e a lógica que a preside.
Segundo a pesquisadora, além dos diários de viagem, o desenho e a pintura ocupavam lugar essencial nas viagens científicas do século XIX. Muitos naturalistas utilizaram frequentemente a iconografia, em associação com textos científicos. A descrição da natureza, segundo Humboldt, além de considerar a representação e descrição morfológica de cada espécie vegetal e seus componentes, o que era comum na época, considerava também as paisagens, o conjunto da vegetação ou fiosionomias.
Goethe, por sua vez, em seus escritos, utilizava uma linguagem filosófica, seguindo uma linhagem traçada pelo botânico francês Saint-Hilaire. A obra de Goethe que influenciou a botânica européia intitula-se A metamorfose das plantas, de 1790. “Goethe desenvolve aí, basicamente, a idéia de uma unidade subjacente à diversidade, tanto no que diz respeito às partes da planta quanto no que concerne ao vegetal inteiro”, disse Lorelai.
Emilia Snethlage – A última apresentação foi sobre a ornitóloga alemã Emilia Snethlage (1868-1929). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Ciência e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz , Miriam Junghans estudou a trajetória da cientista, defendendo a dissertação Avis rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emilia Snethlage (1868-1929) no Brasil, no curso de mestrado do mesmo programa.
Segundo Miriam, a participação das mulheres em atividades científicas era maior do que se pensava. O trabalho de Emilia Snethlage é um desses casos. A ornitóloga desenvolveu sua carreira científica no Brasil, trabalhando no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, e no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Dentre sua produção científica, o Catálogo das aves amazônicas, publicado em 1914 sob a orientação do zoólogo suíço Emilio Goeldi (1859-1917), foi um dos pontos altos. “Esse catálogo foi, ao longo de 70 anos, a obra mais completa e abrangente sobre o assunto, sendo citado até hoje. O intenso trabalho de campo que Emilia desenvolveu contribuiu para o conhecimento da distribuição geográfica da avifauna brasileira”, afirmou a pesquisadora.
A principal característica da vida profissional de Emilia foi o intenso trabalho de campo, com viagens e excursões para coleta de espécimes. Isto não era muito usual para a época, pois os cientistas, geralmente, faziam apenas uma ou duas grandes viagens de estudos e coletas durante a vida. Miriam afirma que a mais importante dessas jornadas, a qual obteve intensa e favorável repercussão no meio científico, foi a travessia entre os rios Xingu e Tapajós, em 1909, acompanhada apenas por índios e tendo que vencer toda a sorte de dificuldades” .
Após o afastamento de Goeldi do museu que leva o seu nome e a morte do seu substituto, o botânico Jacques Huber, Emilia assumiu a direção da instituição. Mas sua gestão foi conturbada pelo desenrolar da crise política que levou à Primeira Guerra Mundial.
Em 1922, Emilia transferiu-se para o Museu Nacional, no Rio, onde passou a trabalhar como naturalista viajante, a convite do paraense Bruno Lobo, então diretor da instituição. A serviço do museu realiza numerosas viagens científicas pelo Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, além de percorrer um longo trecho do Rio Araguaia. Em 1926, foi convidada a ingressar na Academia Brasileira de Ciências.
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