Os primeiros casos de tuberculose datam de mais de 5.000 anos a.C., segundo evidências arqueológicas em múmias egípcias. A presença da doença também é relatada na América do Sul, com base em estudos em múmia peruana com mais de 3 mil anos.
No Brasil, a história da tuberculose abrange um contexto político, social e científico com a colonização do país e atingiu a população menos favorecida. Considerada o “mal romântico” no século 19 – versão difundida entre os poetas da época –, a doença passou a ser considerada um problema de saúde no século passado. Historiadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde Dilene Raimundo do Nascimento abordou o tema em entrevista para o Especial Tuberculose da Agência Fiocruz de Notícias. A pesquisadora falou também sobre o trabalho da Liga Brasileira contra a Tuberculose no Brasil, criada em agosto de 1900 por médicos e intelectuais. O “Brasil não podia deixar de seguir a corrente científica e civilizadora da época”, destacou Dilene ao se referir à justificativa para a criação da Liga.
Segundo a historiadora, Oswaldo Cruz elaborou um programa de controle da doença que não chegou a ser implementado. Outra ação importante nesse período foi a Reforma Carlos Chagas. Ela possibilitou a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública, ao qual estava subordinada a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose. “A Inspetoria foi o primeiro órgão estatal a se ocupar com a tuberculose”, lembrou a pesquisadora. O combate à doença passou a ser mais eficaz no final da década de 1970 sob a coordenação do Ministério da Saúde. Acompanhe os principais pontos da entrevista concedida por Dilene Raimundo do Nascimento.
Em que contexto surge a Liga Brasileira contra a Tuberculose no Brasil no início do século 20?
Dilene Raimundo do Nascimento: A Liga Brasileira contra a Tuberculose é criada em 4 de agosto de 1900, por iniciativa de médicos e intelectuais da cidade do Rio de Janeiro, com o propósito de combater a tuberculose que causava alta mortalidade, principalmente na Capital Federal. Eles justificaram que o Brasil não podia deixar de seguir a corrente científica e civilizadora da época. Havia também um debate, sobretudo na Europa, sobre a assistência pública e privada como práticas complementares para enfrentar as questões sociais advindas da industrialização e da desigualdade. Nesse sentido, as elites sociais brasileiras discutiam a questão e assumiram papéis reformadores.
Como se dava a atuação da Liga?
Dilene Raimundo do Nascimento: A Liga tentou criar sanatórios de início, mas seu custo era muito alto para os recursos de que dispunha. Em seu segundo Estatuto, incluiu a implantação de dispensários nos seus propósitos. Diz-se que os dispensários eram peças fundamentais no esquema antituberculoso já vigente na Europa. A Liga atuava através dos dispensários, prestando assistência médico-social; criou um Serviço de Assistência Domiciliária para atender o doente de tuberculose impossibilitado de se locomover até o dispensário e atuava de forma bastante intensa na propaganda da curabilidade da doença e dos esclarecimentos sobre a mesma. Seus membros publicavam matérias nos jornais da época, realizavam conferências nas fábricas, colégios, quartéis e clubes profissionais. Essas conferências depois eram impressas e distribuídas amplamente, assim como publicadas em revistas médicas. Em 1913, criou sua própria revista mensal chamada Almanack.
Qual a participação de Oswaldo Cruz nessa luta?
Dilene Raimundo do Nascimento: Oswaldo Cruz não teve papel fundamental no combate à tuberculose. Depois de controladas as epidemias [febre amarela, peste bubônica e varíola], ele elaborou um programa de controle contra a tuberculose, mas que não foi, nem em parte, implementado. Na sua proposta, Oswaldo Cruz não considerou a existência da Liga.
Por quê?
Dilene Raimundo do Nascimento: Oswaldo Cruz era eminentemente gestor da ciência. Os líderes da Liga eram médicos professores na universidade, tinham clínicas particulares, autores de artigos publicados em jornais e outros veículos destinados à população em geral, além de revistas médicas, e intelectuais. O cientista não participava da Liga, nem da universidade; ele estava ocupado com sua missão de controlar e erradicar as epidemias, autor de inúmeros artigos, voltados para a classe médica e gestores da saúde. Seu plano foi publicado na íntegra em um relatório da Liga, mas foi a única menção a Oswaldo Cruz em sua história. Um dos tisiologistas que entrevistamos disse que, quando o médico se formava na década de 1910,1920, tinha três opções: fazer ciência no Instituto Oswaldo Cruz, gestão da saúde em órgão do governo e aprimoramento do saber médico na universidade.
De que maneira a Reforma Carlos Chagas ajudou no combate à tuberculose no início do século passado?
Dilene Raimundo do Nascimento: A Reforma Carlos Chagas criou o Departamento Nacional de Saúde Pública, em 1920; e subordinado ao Departamento estava a Inspetoria de Profilaxia da Tuberculose. A Inspetoria foi o primeiro órgão estatal a se ocupar com a tuberculose. Sua ação, inicialmente, foi de propaganda sobre a tuberculose por meio de cartazes informando sobre a doença e as maneiras de evitá-la. Em 1921, criou o primeiro Dispensário de Tuberculose da Saúde Pública, localizado em Botafogo. Em 1927, a Inspetoria havia criado cinco dispensários na Capital Federal.
A Reforma significou a adoção efetiva de política pública no enfrentamento do problema?
Dilene Raimundo do Nascimento: Sim, de forma bastante incipiente. Somente em 1930, o Estado tomou para si a responsabilidade sobre as questões sociais como projeto de governo, incluída aí a assistência aos tuberculosos. E em 1941, o Estado ampliou a vacinação com o BCG [Bacilo de Calmette e Guérin].
Quais os recursos técnicos que ajudaram no diagnóstico da doença no Brasil?
Dilene Raimundo do Nascimento: Os recursos técnicos que ajudaram no diagnóstico da doença foram RX [radiografia] de tórax, exame de escarro e o PPD [teste tuberculínico].
A partir de que momento o tratamento da tuberculose ficou mais eficaz no país?
Dilene Raimundo do Nascimento: Os medicamentos para o tratamento da tuberculose começaram a surgir na década de 1940, mas somente em fins de 1970 é que se chegou a um tratamento mais eficaz no Brasil, sob a coordenação do Ministério da Saúde.
A doença representou importante causa de óbitos no século 19. Mesmo assim, havia uma percepção de que a tuberculose possuía um aspecto positivo, especialmente no meio intelectual? Por que isso acontecia?
Dilene Raimundo do Nascimento: A tuberculose era vista como positiva no meio artístico quando sua concepção era de doença romântica. Consideravam que a “doença da alma” os diferenciava e contribuía para sua produção artística. Segundo Claudine Herzlich, isso acontecia até que o doente artista se visse numa situação de degradação da saúde que não conseguia mais produzir a sua arte. Também um tisiologista entrevistado disse que a tuberculose era vista como doença dos artistas, porque eles deixavam de comer para comprar suas tintas e pincéis; assim se tornando vulneráveis à tuberculose.
De que maneira as atuais ações de combate à tuberculose podem ser mais eficazes?
Dilene Raimundo do Nascimento: Primeiro, diminuir a desigualdade; segundo, aprimorar cada vez mais o Sistema Único de Saúde (SUS) e, terceiro, valorizar cada vez mais a atuação dos agentes de saúde para evitar o abandono de tratamento.
Por que o Rio de Janeiro ainda apresenta índices tão grandes da doença, sendo considerado recordista de casos?
Dilene Raimundo do Nascimento: Temos que levar em conta que o Rio de Janeiro ainda tem bolsões de pobreza que facilitam a infecção e dificultam o tratamento, que é feito somente nos postos de saúde.