Um desafio de todos. Foi assim que Adrian Hine, coordenador de digitalização de acervos do Science Museum Group (SMG) do Reino Unido, resumiu a experiência no processo de catalogação, preparação e digitalização das coleções do Museu de Ciências, um dos cinco museus que fazem parte da instituição inglesa, durante o Simpósio Experiências em digitalização de acervos: a cooperação como estratégia para ampliação de acesso, promovido pela Casa de Oswaldo Cruz, no dia 14 de março. O evento contou também com Miguel Arellano, coordenador da Rede Cariniana do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibicit), que falou das lições aprendidas com a implantação da rede de preservação digital de documentos eletrônicos no Brasil.
O simpósio reuniu e apresentou as experiências de dois países diferentes, com objetivos em comum: preservar acervos e ampliar o acesso público a eles, empreitada que também se impõe à Fiocruz. “Preservar envolve conhecimentos muito diversos, tecnologias que se atualizam rapidamente, e para nós, que temos e produzimos documentos diversificados, em escala muito grande, com muitas assimetrias, se torna uma tarefa complexa, ressaltou Paulo Elian, diretor da COC. Cristiane Machado, vice-presidente de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, citou outro ponto essencial do trabalho de preservação por meio da digitalização: “Ampliação do acesso, importante para reduzir desigualdades e como parte da cidadania”.
A experiência inglesa: Science Museum Group
O SMG é uma de rede composta por cinco museus dedicados à história da ciência, medicina, tecnologia, indústria e mídia, localizados em diferentes cidades do Reino Unido. Em 2015, o governo inglês disponibilizou uma verba para que um desses museus, o Science Museum, desocupasse a Blythe House, em Londres, para se instalar no Centro Nacional de Acervos, na cidade de Wroughton, no sudoeste do país: “Vimos o acontecimento como uma oportunidade” – disse Adrian Hine. – “Além de melhores condições de trabalho, de armazenamento dos itens e de acesso ao público, esta também poderia ser uma chance para promover a digitalização dos acervos, que reúnem mais de 300 mil itens, entre documentos, equipamentos da área da medicina, frascos de remédios, entre outros”.
Como havia um cronograma a seguir para a preparação, digitalização e mudança do acervo, e inauguração do centro, o coordenador contou que foi necessário repensar principalmente o processo de digitalização, que levava, em média, três horas: “Se continuássemos dessa maneira, levaríamos uma década para finalizar o processo. Repensamos o método e reduzimos para cinco minutos, desde a retirada do objeto da prateleira, colocação de etiquetas, fotografias e devolução ao local de origem”, afirmou Hine.
Para cumprir o cronograma garantir o acesso ao público o mais breve possível, foram definidos parâmetros menores para resolução da imagem: “Em vez de uma qualidade máxima de definição, mais demorada, optamos em utilizar a melhor resolução possível para que as imagens possam ser acessadas pelas redes sociais e em tamanho suficiente para que os detalhes fossem observados”, explicou Hine. Também foi criado um aplicativo que permite aos visitantes visualizar informações ao passar a câmera dos celulares e tablets sobre os itens.
O coordenador também ressaltou a importância do pré-inventário. Trata-se de um levantamento de informações sobre o item, como procedência, tipologia e origem, entre outros, que compõem os metadados, a história do objeto. Essas informações são armazenadas em códigos de barras, fixados nos itens por meio de etiquetas, e lidas por um scanner portátil, que passa as informações via bluetooth para a câmera, reduzindo o trabalho dos fotógrafos, que não precisam mais identificar imagem por imagem.
“Trabalhamos com uma grande diversidade de profissionais e de saberes para atingir o objetivo de digitalizar os objetos que serão deslocados para o centro nacional. É um processo desafiador, mas indispensável para se obter os melhores resultados”
Foram estabelecidos ainda padrões para a captura desses dados: padrão ouro para objetos mais raros, as estrelas da coleção; padrão prata, para os essenciais; e padrão bronze, para os itens básicos. “A classificação depende dos objetivos que vão sendo propostos e atualizados. O ideal é que em algum momento todos os objetos cheguem ao padrão máximo, com o maior número de informações possíveis”, explicou Hine.
Para o coordenador, o êxito de um projeto tão complexo está no envolvimento dos profissionais que o desenvolvem. “Trabalhamos com uma grande diversidade de profissionais e de saberes para atingir o objetivo de digitalizar os objetos que serão deslocados para o centro nacional. É um processo desafiador, mas indispensável para se obter os melhores resultados”, conclui.
A experiência brasileira: Rede Cariniana
A crescente produção de documentos nato digitais, a difusão de acervos na internet e a multiplicidade e efemeridade de opções tecnológicas para a produção, organização e gestão de conteúdo geram muitas questões e têm intensificado debates referentes à representação de registros em ambiente web, à curadoria e à preservação digital, assuntos cada vez mais presentes no cotidiano de instituições, grupos e de todos aqueles que lidam com objetos em ambiente web no Brasil.
A Rede Cariniana surgiu da necessidade de se criar no Ibict uma rede de serviços de preservação digital de documentos eletrônicos brasileiros, com o objetivo de garantir seu acesso contínuo a longo prazo, e um arquivamento seguro, que siga as normas internacionais. Para Miguel Arellano, coordenador da Cariniana, a questão não se baseia apenas na existência de recursos tecnológicos: “ela depende da disposição estratégica das instituições de promover novas práticas e oferecer diversidade de formas e soluções para o arquivamento de publicações e de conhecimento científico em arquivos digitais”.
“Parece mais fácil conseguir financiamento para adquirir e digitalizar conteúdo, que para a preservação do conteúdo”
O coordenador apresentou a experiência brasileira da rede, que participa de 17 projetos, atualmente, e as lições aprendidas na gestão de documentos e segurança, boas práticas, métodos e técnicas arquivísticas, visando uma prática documental eficiente para a preservação digital e para o processo administrativo e legislativo. “O compromisso do Ibict é oferecer alternativas para que as instituições brasileiras possam colecionar, armazenar e promover o acesso ao conteúdo selecionado através de cópias autorizadas”, explicou Arellano.
Ainda há grande distância entre as propostas de iniciativas internacionais de preservação digital que surgem e o status real no brasil, dada a insuficiência de recursos e o planejamento inadequado das práticas para permitir o acesso de longo prazo, segundo o coordenador: “Parece mais fácil conseguir financiamento para adquirir e digitalizar conteúdo, que para a preservação do conteúdo”, pontuou.