Pesquisadoras da Casa de Oswaldo Cruz, Kaori Kodama e Tânia Salgado Pimenta estiveram em Benin, na África Ocidental, para apresentar resultados parciais do estudo que desenvolvem sobre a primeira epidemia de cólera no Brasil, que ocorreu em 1855. O alarme partiu de Belém do Pará, mas logo a doença “foi se espraiando” por várias cidades, como Salvador e Rio de Janeiro.
“A cólera veio da Ásia através de trocas comerciais com a Europa, e dali seguiu para América do Norte nas primeiras décadas do XIX. No caso do Brasil, o flagelo deve ter vindo numa embarcação portuguesa”, destaca a historiadora Tânia Salgado Pimenta, ao explicar que, inicialmente, analisam apenas os dados do Rio de Janeiro e de Salvador, as cidades mais populosas da época.
As historiadoras utilizam fontes primárias, como os registros de sepultamentos e da entrada de doentes no hospital, além de teses e artigos médicos. “Através da documentação, analisamos dados sobre a cólera e as condições de vida dos escravos e as doenças a que estavam mais sujeitos”, ressalta Tânia, acrescentando que “analisamos o lugar social desses indivíduos, que podem ser escravos, forros ou alforriados — os que nasceram escravos e conseguiram a liberdade —, e os livres, que nasceram livres.
Elisée Soumonni (Benin), Rita Pemberton (Trinidade e Tobago), Tânia
Pimenta e Kaori Kodama (Brasil), durante oficina do Projeto Saúde
e desenvolvimento na África e a a diáspora africana: Benin, Brasil e o
Caribe Britânico durante a segunda metade do século 19.
Este é o foco da pesquisa das historiadoras, que participam do projeto “Saúde e desenvolvimento na África e a diáspora africana: Benin, Brasil e o Caribe britânico durante a segunda metade do século 19”. Em meados de janeiro de 2011, elas estiveram em Cotonou, maior cidade do país africano, participando de um encontro com os pesquisadores Elisée Soumonni, do Instituto de Estudos e Pesquisas sobre a Diáspora Africana, do Benin, e Rita Pemberton, da Universidade de West Indies, de Trinidade e Tobago, que integram a pesquisa financiada pelo Sephis, programa de Intercâmbio Sul-Sul para a pesquisa da história do desenvolvimento, cuja sede é na Holanda.
No período colonial, portugueses e brasileiros faziam o tráfico de escravos, que vinham de portos de Benin rumo a Salvador e ao Rio de Janeiro. Alguns dos comerciantes acabaram vivendo na costa africana, daí existirem traços da nossa arquitetura nos prédios de Cotonou e de diversas cidades, assim como inúmeras outras semelhanças culturais.
Munida de uma câmara fotográfica, Tânia Pimenta registrou cenas do dia a dia dos moradores do Benin. Alguns dos flagrantes dão colorido especial à matéria.
Integrante do grupo de pesquisa ‘Escravidão, Raça e Saúde’ do CNPQ, a historiadora fala a seguir sobre o que ela e Kaori Kodama viram e discutiram durante a viagem a Benin.
Mulheres e crianças deslocando-se de canoa por Ganvié. Pode-se avistar
casas sobre palafitas ao fundo. Barcos e canoas são muito utilizados como
meio de transportes.
O que vocês pesquisam?
Analisamos o contexto da primeira epidemia de cólera no Brasil, conhecida por ter atingido mais escravos e forros do que livres. Focamos a pesquisa no Rio de Janeiro e em Salvador. Atentamos para o local e as condições de moradia, a condição jurídica, se eram escravos, forros ou livres, a idade, o ofício, a procedência, ou seja, se era europeu, brasileiro ou africano, além das doenças que contraíam.
Em que fase está o projeto e qual a abrangência dele?
Estamos analisando os dados recolhidos e organizados até agora, o que deve se estender até o final do segundo semestre, mas temos a perspectiva de continuar a desenvolver a pesquisa — ampliando as fontes e o período estudado. Essa é uma atividade do Grupo de Pesquisa do CNPq ‘Escravidão, Raça e Saúde’.
Pode contar um pouco da história das relações Brasil — Benin, desde os tempos da escravidão? Vocês pesquisam esta época?
Nós pesquisamos a segunda metade do século XIX, quando o tráfico atlântico de escravos já tinha sido proibido no Brasil. No entanto, a influência dos vários grupos africanos era fortemente presente. De um importante porto em Ouidah, no Benin, eram exportados os africanos escravizados, capturados no interior e no litoral mesmo.
A maior parte dos escravos vindos daquele país para o Brasil aportavam na Bahia. Muitos passaram suas vidas nesta província, e outros foram encaminhados pelo tráfico interprovincial para Minas Gerais, sobretudo no início das atividades mineradoras. Alguns portugueses e brasileiros participaram do tráfico na costa africana e construíram suas vidas por lá.
É visível a influência brasileira no país?
Em Benin e nos países vizinhos pode-se reconhecer traços da arquitetura brasileira da época colonial, além de sobrenomes como Souza, Oliveira, Almeida. Outra forma de influência ocorreu com a volta de antigos escravos ao continente natal — são os chamados retornados.
São bastante evidentes as semelhanças na alimentação e religião africanas. Por exemplo, o candomblé é parecido com o vodu de Benin, mesmo mais de um século depois. Sobre o momento atual, houve uma ênfase maior nas relações com a África, incluindo o Benin, a partir do governo Lula.
Loja de medicamentos feitos com substâncias vegetais, animais e
minerais a partir dos saberes terapêuticos tradicionais. Benin é
dependente da importação de medicamentos e insumos médicos
alopáticos para atender à demanda interna, o que confere uma
importância ainda maior à medicina tradicional no país.
Fotos: Tânia Pimenta.