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Pesquisadora da Universidade de Lisboa divulga livro sobre a história da sífilis Cristiana Bastos faz apresentação na Casa de Oswaldo Cruz

05 mar/2012

Partes do corpo humano com lesões dermatológicas provocadas pela sífilis e outras doenças sexualmente transmissíveis são o foco da coleção museológica, com peças em cera, exibida no Hospital de Santo António dos Capuchos, na capital portuguesa. Uma descrição detalhada sobre os usos daquela coleção, bem como a história de médicos, doentes e de instituições dedicados à pesquisa e ao atendimento dermatológico em Portugal, compõem o universo de interesses da pesquisadora Cristiana Bastos, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. Ela esteve na Casa de Oswaldo Cruz no dia 1º de março falando sobre seu livro Clínica, arte e sociedade, publicado no final de 2011.

As peças estavam originalmente no Hospital do Desterro, fechado em 2007, e integravam o Museu da Dermatologia Portuguesa dr Sá Penella, um entusiasta da especialidade, que dirigiu um serviço médico entre 1933 e 55. Outro dermatologista do hospital, João Carlos Rodrigues, também dedicou-se aos cuidados com os doentes e, até sua morte em 2009, cuidou do espólio científico reunido na coleção, que começou a ser preservada por um grupo de voluntários.

Cristiana explicou que os voluntários eram profissionais de várias áreas do conhecimento, como médicos, museólogo, fotógrafo, artista plástico, amantes da história, um restaurador, que acabaram inspirando um grupo de universitários, que se associaram a um projeto de história da ciência. Intitulado ‘A ciência, a clínica e a arte da sífilis no Desterro’, o projeto recebeu apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e é coordenado por Cristiana, que trabalha com António Perestrelo de Matos, museólogo e especialista em patrimônio.

 

 

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A proposta do projeto de pesquisa é organizar e preservar os moldes em cera, que passaram a ser analisados em um contexto social bem amplo. Há centenas de peças impactantes expostas no hall do hospital. Segundo a antropóloga, são consideradas obras de arte hiper-realistas, e são impressionantes.

 

O espólio científico do Hospital do Desterro inclui folhetos de propaganda do início do século 20, literatura médica dedicada à dermatologia e doenças venéreas, especialmente a sífilis, infecção que evolui lentamente e se caracteriza por lesões na pele e em mucosas. Castigou populações da Europa e do continente americano, até o surgimento de uma droga à base de arsênico, a Arsfenamina, comercializada sob a marca Salvarsan a partir de 1910, que trouxe bons resultados aos tratamentos de doentes.

O estudo coordenado por Cristiana Bastos envolve profissionais que vêm desenvolvendo pesquisas com abordagens diversificadas, como o surgimento das doenças dermatológicas, o tipo de assistência médica naquele país, quem foram e o que fizeram alguns personagens dessa história, como médicos pioneiros e doentes, especialmente prostitutas.

O livro inclui 12 capítulos de vários autores, editados em três partes. Na Parte I — O Hospital do desterro e a dermatologia em Portugal: contexto histórico e cronologia —, a organizadora agregou estudos mais recentes ao artigo de João Carlos Rodrigues, que contempla personagens e fatos da história da dermatologia em Portugal. O do médico Luiz Damas Mora é uma história detalhada do Hospital do Desterro. Este artigo se articula ao de António Matoso, uma descriçaõ mais geral da assistência médica na capital do país, em que tiveram grande importância o hospital renascentista de Todos-os-Santos, no Rossio, depois o monumental São José, que antes foi um colégio jesuíta.

A Parte II — Arte, ciência e clínica: a ceroplastia — inclui cinco capítulos, com foco especial e todo o destaque para a coleção de moldes em cera, com discussões sobre o uso da ceroplastia para a representação de partes de corpos doentes e saudáveis, assim como a transformação daqueles moldes em peças de museu e seu restauro. Há também uma discussão sobre Museus de medicina em Portugal.

Extremamente realistas, as peças foram organizadas por partes do corpo e lembram os ex-votos de cera, que povoavam as igrejas e até hoje existem em muitas delas. A grande maioria reproduz órgãos sexuais e não são braços, pernas e rostos. As peças são “miniaturas fantásticas, que tinham o objetivo de assustar”, segundo Cristiana.

A Parte III  — Os contextos sociais da sífilis — inclui mais quatro capítulos, o primeiro deles, ‘Ai Mouraria!: da hospedaria ao hospital’, de Cristiana Bastos em parceria com a historiadora Rita A. de Carvalho, em que elas descrevem a trajetória das “sacerdotisas do vício” no bairro famoso pelos bordéis de Lisboa. A prostituição era liberada no país e “as prostitutas eram submetidas à inspeção semanal da polícia judiciária. Se estivessem doentes, ficavam na enfermaria-prisão”, conta Cristiana. Seu trabalho consiste em fazer “uma história social da saúde, dos médicos, dos doentes”. O Hospital do Desterro atendia pessoas das camadas sociais mais baixas; os mais ricos não iam até lá buscar tratamento.

O livro Clínica, arte e sociedade: a sífilis no Hospital do Desterro e na saúde pública pode ser adquirido na loja virtual da Editora.