A historiadora Albene Miriam Ferreira de Menezes, pesquisadora da Universidade de Brasília (UNB), falou sobre a importância dos navegantes e viajantes nas trocas entre os dois países, ainda no século 19, em sua apresentação na quarta-feira (23/3), sobre as origens das relações comerciais entre Brasil e Alemanha: “o marco foi a assinatura do tratado do comércio em 1827”, destacou.
Naquele período surgiram várias colônias alemãs e os imigrantes passaram a comerciar vidro, eram os donos de óticas, publicavam revistas, abriam negócios ligados à construção civil. Estabeleceram-se no Rio, São Paulo e em outras cidades, como Ilhéus, de onde exportavam para a Europa cacau, café, chá.
Com a derrota na 1ª Guerra Mundial, a Alemanha volta-se para a América do Sul e, nela, o Brasil é o alvo econômico preferencial. Os laços entre os dois países se estreitam e os imigrantes inauguram cidades e, nelas, clubes de tiro, escolas, igrejas.
Em vários momentos, seja durante o Império alemão, seja durante o regime nazista, estima-se que aproximadamente 250 mil alemães vieram para o Brasil, muitos deles para o Sul, onde ocuparam cidades como Joinville, em Santa Catarina. Eles são protagonistas de empreendimentos memoráveis, como por exemplo a criação da Varig, companhia aérea. Albene Menezes chamou a atenção para o fato de que “o comércio abre portas para outras perspectivas, e o campo da saúde foi uma delas”.
Pesquisadora da COC responsável pela organização do Simpósio, Magali Romero Sá foi a segunda a falar. Em sua apresentação discutiu as influências, as trocas e as estratégias de aproximação da Alemanha com o Brasil, nas relações científicas travadas entre as guerras mundiais, período que compreende 1920 a 1942.
Na época, foi intensa a permuta entre o Instituto Oswaldo Cruz, o núcleo original do que é hoje a Fiocruz, e o Instituto de Medicina Tropical de Hamburgo, quando pesquisadores alemães e brasileiros conheceram-se, discutiram os trabalhos uns dos outros e desenvolveram projetos conjuntos.
Henrique da Rocha Lima estava na Alemanha onde, entre outras atividades, acompanhava os testes com novos medicamentos da Bayer, que eram enviados ao Brasil para Carlos Chagas analisar. Os pesquisadores daquele país impressionavam-se com as pesquisas em protozoologia que se desenvolviam por aqui. Durante todo aquele período, vários médicos vieram conhecer o Brasil: Fritz Munk, Maxime Kuczynski-Godard, Fulleborn, Bernard Nocht.
O Brasil ganhou a medalha de ouro na exposição internacional de Berlim em 1907 e, quando Carlos Chagas identificou todo o ciclo da doença que leva seu nome, o neurologista Fedor Krause passava um período no Brasil. Ele trouxe uma carta do estudioso da medicina tropical Klaus Schilling para o colega brasileiro, em que dizia ter grande interesse em acompanhar o desenvolvimento de suas pesquisas. Em 1911, o Brasil participa em grande estilo da exposição internacional em Dresden.
Marcos Cueto fala sobre o médico Kuczynski-Godard, observado por Magali Romero Sá.
Gilberto Hochman (COC) foi o mediador. À direita, a professora da UNB Albene de Menezes
e Hans Fütchner, da Universidade de Kassel. (Foto: Roberto Jesus Oscar).
Professor na Universidade de Kassel, o doutor em filosofia Hans Fütchner teceu duras críticas à atuação de Werner Kemper e sua mulher Katherine Kemper, “a grande dama da psicanálise no Brasil”, como a definiu durante a apresentação “A influência do instituto Göring para a psicanálise do Rio de Janeiro: o caso Werner Kemper”.
Fütchner falou sobre o profissional que, em 1948, foi enviado ao Brasil pela Associação Internacional de Psicanálise e foi um dos membros fundadores da Sociedade Psicanalítica do Rio de Janeiro. Ele é autor de artigos em que demonstra toda sua indignação pela trajetória de Kemper, a quem acusa de comprometimento com a ideologia nazista, por seu vínculo com o Instituto Göring (“Instituto Alemão de Pesquisa Psicológica e Psicoterapia”), criado em 1936.
Para o pesquisador, o instituto afastou-se da teoria freudiana e além de atividades questionáveis na Alemanha, “desenvolveu estudos sobre homossexuais perseguidos durante o nazismo”, argumentando que sua avaliação sobre Kemper é a mesma feita pela psicanalista da SPRJ Helena Besserman Vianna, no livro em que ela “relata passagens tristes sobre a história das sociedades psicanalíticas do Rio de Janeiro durante a ditadura militar”.
O historiador peruano Marcos Cueto, da Universidad Cayetano Heredia, em Lima, atualmente na COC como pesquisador visitante, fez uma análise da trajetória de Máxime Kuczynski-Godard, que ele define como “O missionário alemão da medicina social”. O médico chegou ao país sul americano em meados da década de 1930, onde viveu durante 10 anos, trabalhando na Amazônia peruana.
Kuczynski-Godard atuou de forma abrangente: foi patologista do Ministério da Saúde, participou da colonização do Peru, que ocorreu junto com um programa de saneamento e educação, definido como “uma alfabetização higiênica, visando a saúde mais bem distribuída”. Outra missão de Kuczynski descrita por Cueto foi a de romper com a barreira da segregação dos leprosos, ao abrir os hospitais, transformados em cidades. “Sua mensagem e prática médica funcionaram como uma alternativa à dos serviços verticais de saúde”, finalizou.
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