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O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro

04 abr/2011

O Encontro às Quintas deu início às atividades no dia 24 de março. Este ano o Programa de pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz completa dez anos de existência. Na oportunidade, a coordenadora adjunta do Programa, Simone Kropf deu boas vindas aos alunos e destacou a importância da participação deles no evento.

Simone, em frente à platéia do Encontro
Em pé, a coordenadora adjunta da pós-graduação da COC, Simone Kropf. Sentados, da esq. para dir., Marcos Chor,
coordenador do EQ,Flávio Gomes, e João José Reis, palestrantes. Foto: Roberto Jesus

Foi realizada, então, a apresentação dos palestrantes, especialistas em história da escravidão no Brasil, João José Reis e Flávio dos Santos Gomes, pelo coordenador do Encontro, Marcos Chor Maio, que informou que a Revista História Ciência Saúde Manguinhos terá um número especial sobre Escravidão e Saúde. A palestra inaugural “O Alufá Rufino: tráfico, escravidão e liberdade no Atlântico Negro”, mesmo nome do livro lançado em 2010, trouxe aspectos da biografia de Rufino José Maria a partir de uma abrangente análise do contexto histórico do Brasil e da África no século XIX, uma história de escravos, do tráfico e de suas atrocidades.

O historiador João José Reis explicou que a biografia de que trata o livro é da “pessoa comum”, e a documentação em que se baseia é fragmentária, o que exigiu um esforço de contextualização do período que se desenvolveu a história de Rufino. Para Reis, “a história do biografado se expande em outras pessoas, e ele vira uma sombra, dobra a esquina”, porque outros personagens de mais posse parecem querer ser mais percebidos. Nascido no antigo reino africano de Oyó, escravizado na adolescência por um grupo étnico rival, adquirido por traficantes brasileiros e levado para Salvador da Bahia, Rufino teve uma vida plena de aventuras e desventuras por mar e terra. Após conseguir sua alforria, tornou-se cozinheiro assalariado de navios negreiros e pequeno comerciante de escravos e, na maturidade, no Recife, alcançou o posto de alufá, guia espiritual da comunidade de negros muçulmanos.

Como vendedor de escravos, foi parar em Serra Leoa, a bordo de um navio apreendido pela Marinha Inglesa por tráfico ilegal de escravos, e onde aperfeiçoou seu conhecimento da língua árabe.

Rufino era letrado, como a maioria dos negros muçulmanos, e praticava o curandeirismo advinhando e tirando feitiços, sendo que seus escritos em árabe, que se acreditava terem planos de revolta, foram apreendidos em sua casa (disponíveis no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). Fluente em árabe e versado no Corão, livro sagrado do islamismo, o ex-escravo foi interrogado pela polícia do Recife, e o seu depoimento revelador contendo fatos da sua vida e suas viagens “joga luz sobre o Atlântico negro”, disse Reis.

O outro autor do livro, Flávio dos Santos Gomes, considera interessante que o campo de estudo “História Atlântica” nas últimas décadas venha se ampliando, porque no Brasil essa dimensão traz muitas possibilidades de pesquisas. “Rufino desembarca no Brasil na segunda maior cidade atlântica, que é Salvador”, destaca Gomes.

Entre as várias colocações sobre biografias e micro-história durante o debate, Reis disse que interessa-lhe “a conectividade, o que permanece e o que se transforma e está lá como experiência humana”.

Mesa com três palestrantes. Um deles, Marcos Chor, ao microfone
Da esq. para dir., Marcos Chor, Flávio Gomes e João José Reis. Foto: Roberto Jesus

João José Reis é doutor em História (1982) pela University of Minnesota. É professor titular do Departamento de História da Universidade Federal da Bahia, com experiência na área de História do Brasil Império e história atlântica. Seu livro A morte é uma festa recebeu o Prêmio Jabuti de Melhor Obra, categoria Ensaio, em 1992, e o Prêmio Haring da American Historical Association, em 1997. Também é autor de Rebelião escrava no Brasil: a história do levante dos malês (2003).

Flávio dos Santos Gomes é doutor em História Social (1997) pela Unicamp. Professor permanente do programa de pós-graduação em Arqueologia do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tem publicado livros, coletâneas e artigos em periódicos nacionais e estrangeiros, atuando na área de Brasil colonial e pós-colonial, escravidão, amazônia, fronteiras e campesinato negro. Em 2009 obteve a John Simon Guggenheim Foundation Fellowship. É autor, entre outros livros, de História de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro no século XIX (2006).