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Intervenções em imóveis geram “metástase positiva” e revitalizam a cidade, diz Ernani Freire

11 jun/2014

Ernani Freire
 “Sou a favor de que os órgãos do patrimônio sejam rigorosos. Os arquitetos
têm de criar argumentos consistentes”, disse Freire. Foto: Peter Ilicciev.

Em palestra na Casa de Oswaldo Cruz (COC), o arquiteto Ernani Freire defendeu a chamada “metástase positiva”, terminologia usada pelo colega catalão Ariel Bohigas como imagem para mostrar que a intervenção em um imóvel é capaz de repercutir em ondas no entorno. “É como uma pedrinha que você joga no lago. Isso acaba promovendo a metástase positiva, que contamina o entorno. E assim, de intervenção em intervenção, você vai revitalizando a cidade”, explicou. O encontro com o arquiteto, promovido em 30 de maio, teve por objetivo discutir o projeto de Requalificação do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), coordenado pelo vice-diretor de Informação e Patrimônio Cultural da COC, Marcos José de Araújo Pinheiro.

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Na avaliação de Freire, o conceito também pode ser aplicado ao NAHM. O arquiteto apresentou exemplos de projetos que seguiram esse modelo de intervenção em cidades como Paris, Nova York e no Rio de Janeiro, como o plano diretor feito para a restauração do Hospital-Escola São Francisco de Assis, na Avenida Presidente Vargas, na Cidade Nova. Segundo ele, o edifício é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e poderá, ao final de sua recuperação, ter a visibilidade do estilo original. Na palestra, o arquiteto também ressaltou que sua proposta é “trabalhar em cima da cidade consolidada”. 

De acordo com Freire, o que se chama de intervenção possui vários nomes: requalificação, reabilitação, revitalização e construir sobre o construído. Para ele, o arquiteto precisa enxergar as relações do imóvel com o entorno. “É uma tendência mundial. Adensar a cidade em cima de áreas estruturadas é realmente o caminho para se conseguir qualidade de vida”, justificou. “O Rio se expandiu com esse urbanismo rodoviário, foi se expandindo para áreas não estruturadas”, constatou Freire.

Segundo o arquiteto, a cidade possui características muito importantes: a geografia exuberante e a paisagem natural, que podem ser sua marca. Esse simbolismo de cada cidade é defendido por um dos mais respeitados urbanistas do mundo, o italiano Bernardo Secchi. E o Rio de Janeiro, argumentou Freire, apresenta essa presença da paisagem natural. “Os monumentos do Rio são o Pão de Açúcar, o Corcovado, a Pedra da Gávea. Reconhecer isso é superimportante”, ressaltou.

O Estilo Modernista na história do Rio de Janeiro

Ernani Freire contou que os arquitetos e os urbanistas, ao longo da história do desenvolvimento urbano do Rio de Janeiro, principalmente aqueles do modernismo, entre as décadas de 30 e 60, entenderam que não deviam competir, mas se adequar à paisagem da cidade.

Para o arquiteto, a questão geográfica sombreia um pouco o Rio como cidade histórica. Mas ele diz que foi possível preservar obras importantes do século 17 ao 20. Nos anos de 1960, a arquitetura brasileira brilhou no exterior, lembrou. Na avaliação de Freire, o prédio do Ministério da Educação – na época do projeto de Le Corbusier, na década de 1930, Ministério da Educação e Saúde – é uma obra-prima. O edifício apresenta “todos os pressupostos da arquitetura moderna do ponto de vista técnico: uso da geografia, dos pilotis, do terraço-jardim”, ensinou.

“Le Corbusier era uma pessoa de muito prestígio na Europa. Mas foi aqui, abaixo do Equador, que conseguiu colocar em uma única edificação uma síntese do que se pretendia com a arquitetura moderna”. O projeto contou com um grupo de jovens arquitetos, entre os quais Lúcio Costa, Jorge Machado Moreira, Ernani Vasconcellos, Affonso Eduardo Reidy e Oscar Niemeyer. Para Freire, “um grupo de gênios, que provariam ser excelentes arquitetos ao longo de suas carreiras”.

Segundo ele, com a mudança da capital para Brasília, muita coisa ficou com uma capacidade ociosa no Rio de Janeiro. “A partir desse momento, começou a se olhar para a possibilidade de se reaproveitar e de se reabilitar”, disse. “Os prédios estão prontos e são passíveis de receber novas tecnologias, acrescentou o arquiteto.”

Ernani Freire apresentou projetos de sucesso no reaproveitamento do espaço urbano. Em Paris o Promenade Plantee, uma ferrovia desativada, deu lugar a espaços como galeria de arte, café, restaurante e um jardim – construído nos trilhos – por onde as pessoas podem passear. A iniciativa (precursora do High Line Park, em Nova York) foi uma proposta da prefeitura da capital francesa para o reaproveitamento dos arcos da antiga ferrovia, onde as edificações já estavam implantadas, consolidadas e ambientadas ocupando aquele espaço.

Localizado ao sul de Manhattan, em Nova York, o High Line Park é um projeto de 2009. NesSe caso, uma ferrovia se consolidou como polo irradiador dessa área inteira da cidade norte-americana. Em Hamburgo, na Alemanha, um alojamento para estudantes foi desenvolvido a partir de um silo.

Do Brasil, foram apresentados projetos como o da restauração do Centro Histórico de Petrópolis, na região serrana fluminense, e o da restauração do Parque das Ruínas (anexo do Museu Chácara do Céu), em Santa Teresa, no Rio.

Outro projeto desenvolvido por Freire foi o plano diretor para o Hospital Escola São Francisco de Assis, na avenida Presidente Vargas, na Cidade Nova, também na capital fluminense. O objetivo era organizar e criar documentação dos projetos setoriais do edifício, tombado pelo Iphan, permitindo recuperar a visibilidade do seu estilo neoclássico original.

Em defesa dos órgãos de preservação

Ernani Freire defendeu os órgãos de preservação do patrimônio. “Sou a favor de que os órgãos do patrimônio sejam rigorosos. Os arquitetos têm de criar argumentos consistentes”, justificou.

No projeto do Museu da Chácara do Céu, em Santa Teresa, para a construção do anexo de apoio técnico (reserva técnica, laboratório de restauro, auditório com 100 lugares para conferências e biblioteca), o objetivo era liberar a casa do arquiteto Wladimir Alves de Souza – projetada em 1954 – para o pavilhão de exposições.

O projeto da Casa Daros – um espaço de cerca de 12 mil metros quadrados – é uma das intervenções mais recentes do arquiteto. Localizada em Botafogo, na zona sul do Rio, consumiu 20 milhões de reais nas fases 1 e 2, abrangendo dois terços das obras. Uma das preocupações era promover as transformações de modo a oferecer conforto aos usuários do espaço, que pertenceu à Santa Casa de Misericórdia. Entre as intervenções, houve a necessidade de rebaixar o térreo em cerca de 30 centímetros, aumentando o pé-direito do prédio. Isso permitiu a construção de espaços como uma biblioteca, um restaurante e uma oficina.