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Fecho de ouro com Chico Buarque: Heloísa Starling fala sobre o diálogo entre o filho cancioneiro e o pai historiador

02 jul/2012

Há alguns anos, o pesquisador da Casa Robert Wegner, estudioso da obra do intelectual Sergio Buarque de Holanda, fez uma proposta à pesquisadora da Universidade Federal de Minas Gerais Heloísa Murgel Starling, que já desenvolvia trabalhos importantes dedicados à história da música popular brasileira, e ela aceitou o desafio. Começou a analisar se de fato haveria diálogo entre as letras das canções do compositor Chico Buarque de Hollanda e o livro Raízes do Brasil, escrito em 1936 por seu pai, uma interpretação inovadora sobre a sociedade tradicional e o surgimento de novas estruturas políticas e econômicas no país. O resultado do trabalho de Heloísa virou livro, Uma pátriaparatodos: Chico Buarque e as raízes do Brasil (Língua Geral, 2009) e foi o tema do último Encontro às Quintas do semestre. Heloísa falou sobre sua pesquisa, permeando a conversa com a plateia com trechos de algumas músicas como “Fado Tropical” e “Pelas tabelas”, que foram ouvidas como exemplos ilustrativos de tal diálogo.

 

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Recepcionada por Robert Wegner, Heloísa Starling
apresenta características da obra de Chico Buarque,
como a ambivalência. Ela ressalta passagens em que
o compositor expõe sua própria história,
especialmente nas letras de músicas do último CD.
Foto: Roberto de Jesus Oscar

“Meus ponto de partida é Raízes do Brasil, que traz a ideia central da modernização do país”, acentuou a pesquisadora e professora de história, ao explicar que uma das características principais do livro é a presença do mundo privado, o mundo dos afetos, no espaço público deste país. “É próprio do Sergio Buarque a capacidade de transitar entre linguagens distintas. E parece que é próprio dos Buarque de Hollanda chegar às raízes, aos princípios formadores da ideia do Brasil”.

 

A hipótese perseguida por Heloísa Starling é a de que tanto o filho cancioneiro como o pai ensaísta buscam e revelam as raízes do pensamento social brasileiro e que há, sim, um diálogo de Chico com a obra de Sérgio. A marca da cordialidade do brasileiro aparece em Raízes do Brasil”, ela diz, mostrando em seguida alguns exemplos de como Chico se aproxima com facilidade do universo do pai, historiador, em algumas canções e peças teatrais. Ela também demonstra a facilidade com que o compositor transita entre a esfera pública e o mundo íntimo, ao construir seus personagens.

 

Em “Calabar”, peça de 1973 censurada pelos militares, Chico e Ruy Guerra analisam o personagem Domingos Fernandes Calabar que, em 1632, preferiu trair a corte portuguesa ficando ao lado dos holandeses no famoso episódio. Heloísa chama atenção para o fato de que “o argumento de ‘Calabar’ permite ao Chico se aproximar com facilidade nos temas abordados na obra do pai, um historiador”.

 

Heloísa extraiu observações sobre o universo ’buarquiano’, a partir da análise de uma música composta para a peça, em que ela encontrou afinidades de interesses na obra do pai e do filho e exemplificou como ocorre o diálogo de Chico com Raízes do Brasil. Há um trecho de “Fado tropical” em que uma voz masculina declama:

 

“Sabe, no fundo eu sou um sentimental
Todos nós herdamos no sangue lusitano uma boa dosagem de lirismo (além da
sífilis, é claro)
Mesmo quando as minhas mãos estão ocupadas em torturar, esganar, trucidar
Meu coração fecha os olhos e sinceramente chora…”

 

Nesta passagem Chico mostra a dualidade com que o homem brasileiro reage aos afetos, “com paixão inata e brutalidade absurda”, diz Heloísa, pois mesmo quando tortura, seu coração sangra. Um exemplo da tal “cordialidade” forjada por Sérgio.

 

Já em “Pelas tabelas”, composta em 1984 no ‘clima’ das passeatas que tomavam conta do país, com a população envolvida no movimento pelas “Diretas já”, Chico expõe a confusão de um personagem abandonado pela amada. Ele caminha desnorteado pelas ruas da cidade que, como a morena, se ‘enfeita’ para comemorar o fim da ditadura e torce pelo voto democrático. Aí, Chico visita a literatura com seu lirismo e, de novo, transita entre o mundo dos afetos e dos princípios que regem o espaço público.

 

“Ando com minha cabeça já pelas tabelas
Claro que ninguém se toca com minha aflição
Quando vi todo mundo na rua de blusa amarela
Eu achei que era ela puxando um cordão

Minha cabeça talvez faça as pazes assim
Quando ouvi a cidade de noite batendo as panelas
Eu pensei que era ela voltando pra
Minha cabeça de noite batendo panelas…”

 

Confira a íntegra da palestra de Heloísa Starling

 

Parte 1

 

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Parte 2

 

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