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Especial História e Covid-19 | Pandemia e ensino de História: entre o presente e futuro

30 mar/2023

Éder Mendes de Paula (UFJ)*

 
 

A partir de março de 2020 o Brasil, para medidas de controle da pandemia da Covid-19, fechou escolas e universidades na tentativa de conter a propagação do vírus, ainda que o governo federal trabalhasse na contramão das medidas de isolamento. As discussões sobre Tecnologias da Informação são temáticas presentes há alguns anos na Educação, a referida pandemia nos colocou diante de uma realidade onde os processos teóricos foram solapados por uma necessidade de prática.

Martins & Sousa (2020), nos apontam que as “soluções” apresentadas para a Educação brasileira, terminaram por revelar ainda mais questões relacionadas às desigualdades sociais no país. Segundo as autoras, existia uma discrepância de acesso aos meios necessários por parte de professores e alunos, que garantissem o processo de ensino-aprendizagem.

No universo de uma mesma sala de aula, ressaltando um pouco a experiência pessoal, tanto os alunos do curso de licenciatura em História na disciplina de Estágio Supervisionado, como os discentes da Educação Básica, apresentavam realidades complemente diferentes. Enquanto alguns tinham acesso à internet de banda larga, outros nem se quer conseguiam participar das aulas por não possuírem equipamentos ou velocidade que habilitasse as salas virtuais.

Diante dessa realidade, vivemos um período em que o Estado praticamente agiu como se estivesse realizando o máximo, quando na verdade, construía um cenário de “sobrevivência” dos que tinham ferramentas para tal. Em trabalho apresentado no 31º Encontro Nacional de História em 2021, Rodrigo Sarruge Molina, evidencia que a pandemia mostrou o agravamento das desigualdades entre classes e aprofundou o fosso que separa a rede pública da rede privada.

Outro ponto foi a emergência de se pensar a relação ensino-aprendizagem que, naquele momento, deveria se dar em outros espaços completamente diferentes das salas de aula. Com a suspensão do modelo presencial, pesquisadores se preocuparam em tentar compreender o contexto, suscitando através das experiências dos professores e discentes, formas de pensar a aprendizagem histórica na nova realidade. Esse movimento aconteceu, sobretudo, no Grupo de Reflexão Docente (GRD), durante o 11º Encontro Nacional Perspectivas do Ensino de História, promovido pela Associação Brasileira de Ensino de História (ABEH).

Desse Grupo de Reflexão foi construído o texto em que Nicolini e Medeiros (2021) apontam que um dos novos compromissos do Ensino de História, também deveria incluir a compreensão dos efeitos sociais do vírus, pois, isso também apontaria para diferenças que deveriam ser historicizadas tanto no presencial como no virtual.

O aprendizado histórico é construído na medida em que o conhecimento escolar é operacionalizado em conjunto com os conhecimentos prévios e, assim, auxilia no processo de constituição da consciência histórica, permitindo a orientação no tempo. Neste aspecto, a reflexão necessária é sobre como essa ação se deu no contexto de um Ensino Remoto, que fez ver as desigualdades no universo de uma mesma sala de aula.

É preciso, antes de tudo, entender que a relação ensino-aprendizagem no Ensino de História durante a pandemia, se tornou um procedimento novo tanto para discentes quanto para professores. Recorrendo uma vez mais a Nicolini e Medeiros (2021), o primeiro desafio aos docentes foi conseguir realizar uma seleção sobre o que deveria ser ensinado, pois em muitos cenários, as disciplinas tiveram suas cargas horárias alteradas. Posteriormente, a segunda parte do desafio foi, como ensinar em uma conjuntura em que nem todos possuíam a mesma velocidade de internet, ou se quer acessavam os mesmos aplicativos para interagirem com os professores.

Trazendo um pouco da experiência como professor de Estágio Supervisionado durante a pandemia para esta reflexão, ante a necessidade de trabalhar ou mesmo a desigualdade levou à desistência de estudantes diante da impossibilidade de assimilar as aulas com qualidade, o que também se repetia com os alunos da Educação Básica que acompanhávamos nas escolas-campo. As turmas foram sofrendo baixas constituindo um cenário desolador, eram grandes os números de jovens que “desistiram” da escola.

Neste cenário, também se incluía a necessidade de lidar com a dor e o medo do que não se podia enxergar, as crises de ansiedade e o adoecimento mental. Era necessário permitir-se um desafogo diante das partidas de mães, pais, irmãos, tios, esposas, esposos, entre outros que passaram, em um dado momento, a serem frequentes, tanto entre alunos da universidade como das escolas e professores supervisores.

Ainda que a discussão sobre a aprendizagem histórica seja o foco, as variáveis foram tantas naquela perspectiva, que talvez o mais indicado seja pensar sobre como fica o Ensino de História para o futuro, no momento pós-pandemia? O que essas diferenças escancaradas pela doença pode trazer de reflexão para um próximo momento?

A compreensão de que é preciso lutar pelo Ensino de História ficou evidente, pois, para além da constituição de uma consciência histórica, ficou demonstrado a necessidade de combater o negacionismo que tomou grandes proporções durante o período pandêmico.

Pensar o Ensino de História nesse momento é compreendê-lo como uma ferramenta que perpassa a Educação, que se coloca como meio para desconstruir os discursos negacionistas que encontraram terreno fértil para proliferação. A pandemia escancarou e aprofundou desigualdades que precisam ser compreendidas historicamente, o que nos coloca diante da necessidade de refletir sobre a formação de professores e sobre o letramento histórico nas escolas.

Naquele instante o Ensino de História passava por um (re)aprendizado, tanto na formação de professores, quanto nas escolas de Educação Básica, por isso é importante apontar que o mais interessante seja a constituição de elementos para o pós-pandemia. Em um cenário de ataque à Ciência e à Democracia, o Ensino de História tem papel importante a desempenhar em uma nova sociedade que emerge do caos dos momentos pandêmicos.

*Éder Mendes de Paula é professor do curso de História da Universidade Federal de Jataí/GO. Professor do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual de Goiás – Campus Morrinhos. Coordenador do Grupo de Estudos e Pesquisas em História da Saúde e das Doenças-Nise da Silveira/Cnpq. Coordenador do Laboratório de Ensino e Pesquisa em História da Universidade Federal de Jataí. Pesquisas centradas na História da Saúde e das Doenças, com ênfase nas instituições psiquiátricas e os discursos sobre a loucura em Goiás. Professor das disciplinas de Estágio Supervisionado II e III e Teoria da História I e II. 
 

Referências:

MARTINS, Mônica Paula de Sousa & SOUSA, Rosana Paulo de. Ensino de História: estudos domiciliares em tempos de Covid-19. In.: Olhar de professor, Ponta Grossa, v. 23, p. 1-5, 2020.Disponível em <http://www.uepg.br/olhardeprofessor>.

MOLINA, Rodrigo Sarruge. Pandemia, educação e História no Espírito Santo (2020- 2021).

NICOLINI, Cristiano & MEDEIROS, Kênia Érica Gusmão. Aprendizagem histórica em tempos de pandemia. In. Estudos Históricos Rio de Janeiro, vol 34, nº 73, p.281-298, Maio-Agosto 2021.