Fiocruz
Webmail FUNDAÇÃO OSWALDO CRUZ

Especial História e Covid-19 | Os impactos da pandemia no ofício de historiadoras e historiadores

16 mar/2023

Luiz Alves Araújo Neto (COC/Fiocruz)*

 
 

No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que vivíamos uma pandemia de Covid-19, doença causada pelo vírus SARS-COV-2, e fazia as primeiras orientações quanto a medidas preventivas e de controle da curva epidêmica. O cenário inicial da pandemia foi marcado por uma série de dúvidas quanto à transmissão, aos sintomas, ao diagnóstico e prevenção e ao tratamento de uma condição que, então, se manifestava como uma doença respiratória aguda. Passados três anos, ainda vivemos sob a marca da pandemia, ainda que bastante distinta daquela de 2020 em termos epidemiológicos, sociais, culturais e políticos. 

Em meio ao cenário de incertezas e de ruptura do cotidiano provocado pela Covid-19, profissionais de todas as disciplinas promoveram reflexões tanto sobre a epidemia quanto outros fenômenos e processos que nos cercam, em um esforço simultâneo de buscar compreensões acerca da tragédia vivida e de processar emocionalmente medos, angústias e sofrimentos. No campo da História, diversas iniciativas abordaram múltiplas possibilidades de mobilização do conhecimento histórico para pensar a pandemia como um fenômeno social complexo, ressaltando, entre outras coisas, o peso das desigualdades sociais na experiência coletiva e individual. Nesse âmbito, o Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde (Depes) da Casa de Oswaldo Cruz organizou a série Especial Covid-19: o olhar dos historiadores da Fiocruz, apresentando diferentes perspectivas de análise e vivências pessoais durante a epidemia. A série resultou no livro O Diário da Pandemia (Hucitec, 2020), servindo também ao propósito de documentar as experiências de historiadoras e historiadores. 

No momento atual da pandemia, em que os índices de morbimortalidade de Covid-19 sofrem queda estável (sugerindo a proximidade do fim de um estatuto pandêmico formalizado), e as respostas em termos de prevenção e cuidado hospitalar da doença mudaram significativamente, outros esforços reflexivos são possíveis. Apresentamos, portanto, uma nova série especial com outra proposta, centrada na reflexão sobre os impactos da pandemia de Covid-19 em processos e debates relevantes à disciplina histórica. Dialogando com as clássicas categorias do historiador alemão Reinhart Koselleck (2006), se hoje observamos e vivemos novos espaços de experiência para a História após três anos de epidemia, também é possível e necessário pensar em novos horizontes de expectativa para nosso campo.  

Nesta série, abordaremos temas que ganharam tons mais intensos através do impacto do vírus, como a aproximação da História às Humanidades Digitais e a conformação metodológica e profissional de um campo dedicado aos desafios disciplinares, éticos e epistêmicos da incorporação tecnológica: a História Digital. De forma similar, discutiremos questões e problemas estruturantes de nossa disciplina que foram profundamente impactados pela existência do vírus e (talvez principalmente) pelas respostas sociais elaboradas a partir de sua circulação. Esse é o caso dos debates sobre o ensino da História, principalmente no âmbito escolar, através da pandemia de Covid-19. 

Também estarão em questão as relações de historiadoras e historiadores com o público, tanto nas mediações e associações que estabelecemos com a sociedade quanto nas formas pelas quais produzimos confiança e lutamos contra discursos e narrativas que colocam em xeque o conhecimento e a prática histórica. Nesse sentido, abordaremos tanto os caminhos e os desafios da História Pública, área que tem se fortalecido bastante nos últimos anos, quanto o debate central sobre os negacionismos científicos e revisionismos históricos. 

Compõem esta série textos, áudios e vídeos de pesquisadoras e pesquisadores de diferentes regiões do país, o que nos permite leituras a partir de diferentes perspectivas e abordagens. Nas próximas semanas, será possível acompanhar a série especial em duas publicações semanais no site da Casa de Oswaldo Cruz, às segundas e quintas-feiras. Convidamos a todas e todos para refletir sobre os horizontes de nossa disciplina dialogando com nossas experiências e desafios.  

Uma boa leitura! 

*Luiz Alves Araújo Neto é historiador, doutor em História das Ciências e da Saúde. Coordenador ajunto do Observatório História e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz e bolsista de pós-doutorado da FAPERJ (PDR-10). Atua nas áreas de História da Medicina e da Saúde Pública, Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, e Saúde Coletiva.

Referências:

KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2006. 

Leia todos os artigos da série:

1) Pandemia e os métodos digitais no ofício do historiador: aceleração e urgência – Eric Brasil (Unilab)
2) Ensino de História: para onde vai a formação de professores no pós-pandemia? – Margarida Maria Dias de Oliveira (UFRN)
3) Precisamos de mais, e não menos, relativismo – Karin Alejandra Rosemblatt (Universidade de Maryland)
4) Pandemia e ensino de História: entre o presente e futuro – Éder Mendes de Paula (UFJ)
5) O uso das tecnologias digitais e da História Pública como recurso analítico no contexto pandêmico – Gilciano Menezes Costa (Professor – Seeduc RJ)
6) Covid-19, novas direitas e o problema da verdade científica de uma perspectiva histórica – Thiago da Costa Lopes (COC/Fiocruz)
7) Orientação temporal, Covid-19 e a Educação Básica brasileira na atualidade – Ricardo dos Santos Batista (COC/Fiocruz)
8) A morte contestada: narrativas negacionistas sobre o número de óbitos na pandemia – Ede Cerqueira (COC/Fiocruz)
9) Experiência com as Humanidades Digitais entre a comunidade historiadora no Brasil pandêmico – Daiane Rossi (COC/Fiocruz)
10) O negacionismo histórico e o revisionismo ideológico: leituras sobre o passado e desafios à História – Marcos Napolitano (USP)
11) A pandemia como impulso para a comunicação digital do Observatório História e Saúde – Cynthia Maciel Duarte e Ingrid Casazza (COC/Fiocruz) 
12) O fazer histórico no pós-pandemia e o diálogo mais alargado sobre história e tecnologia – Anita Lucchesi (Universidade de Luxemburgo)
13) Um objeto de estudo para a história da saúde mental – Eliza Toledo (COC/Fiocruz)
14) Realinhando experiências e expectativas – Luiz Alves Araújo Neto (COC/Fiocruz)