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Entre a subjetividade e o corpóreo: diálogos psicofarmacológicos

14 maio/2013

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Tatiana Rotondaro: Pacientes com psicopatologias são mais predispostos a fazer
relatos sobre suas doenças na Internet do que pessoalmente. Foto: Roberto Jesus

O conceito de “self neuroquímico”, cunhado pelo sociólogo e historiador Nikolas Rose, foi o ponto de partida da pesquisadora Tatiana Rotondaro para estudar a forma como pessoas com psicopatologias percebem a sua relação com os medicamentos utilizados no processo de tratamento. Professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), ela compartilhou com o público no dia 9 de maio questões teóricas e metodológicas de seu trabalho de pesquisa, ainda em desenvolvimento.

De acordo com Tatiana, a partir de mudanças das formas de diagnóstico de transtornos psiquiátricos na segunda metade do século 20, a ideia de “selves neuroquímicos” ganhou força. “Rose diz que existe uma tentativa quase que de apregoamento da população para que ela se organize em torno de um cuidado excessivo com o corpo a partir de uma compreensão reducionista de como funcionariam os indivíduos, de que haveria desajustes físico-químico que poderiam ser regularizados através de medicamento”, explicou.

A pesquisadora pontuou que, a partir dessa ideia de selves neuroquímicos, Rose identificou dois momentos: um individualizante e outro coletivizante. No primeiro, o indivíduo é chamado a cuidar de si, em um contexto de políticas neoliberais, explica Tatiana. Trata-se de um regime do self, em que ele vai ser responsabilizado a seguir uma dieta, por exemplo, para se manter saudável.

“A partir do momento em que a pessoa toma consciência que uma série de doenças é produto de uma predisposição genética, ele vai tentar lidar com essa angústia, seja no planejamento para ter filho ou no estilo de vida que vai ter para que uma determinada doença não se manifeste”, disse.

Como resultado disso, muitos pacientes já chegam aos consultórios com “opções de diagnósticos”, a partir de informações coletadas na Internet. “O que se vê é uma proliferação desenfreada de sintomas. Há sintomas muito curiosos, como, por exemplo, um chamado ‘transtorno de rivalidade entre irmãos’, que é o transtorno que o irmão apresenta por ter ciúmes do outro”, afirma Tatiana.

A origem desse comportamento está nos anos 60 e 70. De acordo com a socióloga, nessa época começa a ganhar espaço uma discussão sobre a confiabilidade dos diagnósticos das psicopatologias. Sugiram, então, questionamentos sobre a capacidade da psiquiatria de fazer esses diagnósticos. “A partir daí (…), temos uma mudança de foco, em que deixa-se de tratar ou de tentar identificar a causa de uma possível psicopatologia e passa-se a observar quais são os sintomas e a tratá-los”, resumiu a pesquisadora.

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Tatiana, ao lado de Robert Wegner, coordenador do evento, disse que pacientes
veem o trabalho como variável do processo de recuperação. Foto: Roberto Jesus

No outro momento identificado por Rose – o coletivizante -, os indivíduos começam a se articular em grupos criados em torno de identidades estabelecidas por características biológicas. Ao receber o diagnóstico apontando algum transtorno, é comum as pessoas se organizarem em websites, fóruns de discussão e grupos de apoio, não apenas para trocar informações sobre suas doenças, mas para se organizar politicamente para reivindicar direitos, explicou Tatiana.

A existência desses espaços de encontro de pessoas que apresentam algum transtorno facilitou o acesso da pesquisadora a eles. “Começamos a perceber que era muito mais fácil ter um contato – não superficial, mas bastante próximo – com os pacientes em websites, em grupos de Internet. (…) Ali, as pessoas se sentem muito predispostas a fazerem longos relatos sobre suas doenças, sobre seus problemas (…) Não foi a intenção inicial, mas foi uma forma de ter acesso a esses pacientes”, contou a socióloga.

Durante as entrevistas com os pacientes, uma questão chamou a atenção de Tatiana: a centralidade do trabalho. Na amostra de adultos, ela identificou que a vida profissional é essencial na leitura que os indivíduos fazem de si mesmos. “Eles veem o trabalho como uma das variáveis do processo de cura e recuperação (…) A possibilidade de falar abertamente do transtorno no trabalho é algo muito importante para essas pessoas, traz um suporte afetivo, emocional”, disse.