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“É preciso pensar em maneiras simples de contar histórias complexas nos museus”, defende Marcello Dantas

13 mar/2014

Marcello Dantas
Dantas: Interatividade é apenas uma pequena faceta do conceito
de imersão total. Foto: Glauber Gonçalves

Buscar uma linguagem contemporânea para criar experiências mais memoráveis e completas para os visitantes de museus, especialmente os jovens. Esse desafio vem sendo enfrentado pelo designer e curador de exposições Marcello Dantas há cerca de 25 anos com o que ele chama de gramática da imersão total.  O conceito se refere a um tipo de experiência em que o público é transportado para um outro mundo com características e leis próprias, criado a partir de uma combinação de estímulos sensoriais.

Dantas relatou suas experiências em uma palestra realizada na última quinta-feira (13/3) na Casa de Oswaldo Cruz (COC), como parte das discussões do projeto de requalificação do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (NAHM), que compreende o Castelo da Fiocruz, o Quinino, a Cavalariça, o Pavilhão do Relógio, entre outros prédios do começo do século 20. Nos próximos anos, grande parte do uso administrativo desse conjunto será realocado no campus, abrindo espaço para o uso cultural desses edifícios.

“Interatividade é apenas uma pequena faceta do conceito de imersão total: quando você vai a um espaço, você necessita ir a um lugar que tenha suas próprias regras, que tenha capacidade de te fazer viajar, imaginar uma outra fronteira”, afirmou. “Este é o norte: encontrar uma maneira de revogar as leis da iluminação, da gravidade, da ordem das coisas, de maneira a contar uma história em que o público esteja dentro de um ambiente inteligentemente ‘sensorizado’”.

O curador vê um sentido social dessa nova linguagem nos museus. “Ela permite que aquela pessoa que se sente impotente e analfabeta diante do conteúdo que está sendo apresentando seja incluída […] A interatividade é importante não pelo conceito, não pelo botão, mas por isso. Precisamos pensar em maneiras simples de contar histórias complexas”, afirmou.

Dantas conta que a introdução dessa nova “gramática” no País foi gradual. De acordo com ele, até recentemente o modelo de museu predominante no Brasil ainda era o concebido no século 19, em que objetos eram classificados e expostos. A saída para reverter a perda de público foi ir em busca de uma nova linguagem mais atraente. “O modelo da instituição museológica brasileira quando começamos a trabalhar não havia sido atualizado. O País, por causa da ditadura e de uma certa preguiça educacional nos anos 50, 60 e 70, não repensou a suas instituições culturais”, disse.

Diante de uma fragilidade nacional – ele classifica o Brasil como um dos piores países do mundo em formação de coleções -, Dantas deparou-se com uma necessidade ao conceber esse novo modelo de museu: criar acervos. Um exemplo é o caso do Museu da Língua Portuguesa em São Paulo, em que diversos textos da literatura no idioma de Camões foram gravados nas vozes de renomados atores. “Você pode chamar isso do que quiser, mas eu só conheço um nome para isso: coleção […] Passamos do patamar de um agente passivo, para um agente transformador ao criar os acervos”, declarou.

Para Dantas, a perda da hegemonia do objeto não está circunscrita aos museus, mas é reflexo do que aconteceu na própria cultura. Contar uma história do século 20 sem recorrer à imagem ou uma história do século 21 passando ao largo da internet é inconcebível, defendeu ele. “A necessidade de se criar museus com uma linguagem nova começou a surgir no fim dos anos 90 não como algo deliberado. Era um fato real da vida. As histórias que tínhamos para contar não cabiam dentro do figurino e do cenário do museu do século 19, que vivia um distanciamento enorme em relação ao seu público”, afirmou.