Quais ciências e quais tecnologias fazemos enquanto localidade geográfica e historicamente situada? Dossiê publicado na Revista de Estudios Brasileños, periódico da Universidad de Salamanca e Universidade de São Paulo (USP), reúne análises que apontam a diversidade e o contínuo interesse em investigações dos Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (STS, na sigla em inglês) no Brasil.
Organizado por Paulo Elian e Luiz Otávio Ferreira, pesquisadores da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), e por Marcia Regina Barros da Silva, da USP, o dossiê revela, por meio de nove artigos e três entrevistas, a diversidade teórica e metodológica do campo. Surgido no fim dos anos 1970, os Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia (STS) ampliou os modos de compreensão do fazer científico ao mostrar que C&T são objetos que possuem historicidade, não estão apartados da sociedade.
“Ao destacarmos que ciências e tecnologias não são apenas produtos técnicos, resultantes de alguma evolução humana, ou resultado de inovações mecânicas progressivas, queremos pensar nas ciências e nas tecnologias não como correlatas da vontade de progresso. O que seja ciência e tecnologia não é algo permanente na história. Ciência e tecnologia podem ser progresso ou regressão, guerra ou paz, a depender do que agenciam, do que articulam e do que transformam”, escrevem os organizadores no texto de introdução “Estudos Sociais da Ciência no Brasil: o que podem ser e do que tratam”.
Com nove artigos e três entrevistas, o dossiê abre com uma análise do debate sobre a expertise que mobilizou o campo dos STS nas duas primeiras décadas do século 21, em estudo assinado por pesquisadores em estágio pós-doutoral na Casa de Oswaldo Cruz (Thiago da Costa Lopes e Ede Cerqueira) e pela pesquisadora Simone Petraglia Kropf, todos dos Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Cruz.
Outros três artigos são assinados por egressos do programa: Daiane Rossi investiga a composição institucional e de gênero da comunidade científica brasileira a partir de dados coletados pela Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), na década de 1950; Renilson Beraldo analisa o conhecimento médico no circuito germano-hispano-brasileiro; e Ricardo dos Santos Batista estuda o papel das enfermeiras no Serviço Especial de Saúde Pública (SESP), em parceria com José Lúcio Costa Ramos, da Universidade Federal da Bahia (UFBA).
O conjunto de documentos traz também uma etnografia dos primeiros dias de uma cientista em um laboratório de Ciências Biológicas (Samuel Itxai Silva Lobo, Gabriel Menezes Viana e Francisco Ângelo Coutinho) e estudos sobre hierarquização do conhecimento científico na pesquisa em agroenergia (Fabrício Monteiro Neves); produção latino-americana em ciências sociais computacionais (Gleidylucy Oliveira e Rafael Cardoso Sampaio); trajetória dos farmacologistas José Ribeiro do Valle e Maurício O. da Rocha e Silva (Isabella Bonaventura); e abordagem da vacina contra Covid-19 em portais evangélicos (Marcela Barba e Fernanda Rios).
Além dos artigos, o dossiê traz entrevistas com três pesquisadores brasileiros atuantes no campo dos Estudos de Ciência e Tecnologia do país: os professores Ivan da Costa Marques (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Guilherme Sá (Universidade de Brasília) e Maria Carlotto (Universidade Federal do ABC). “Reunimos pesquisadores e pesquisadoras de diferentes gerações e de várias instituições”, observa Paulo Elian, que, assim como os demais organizadores, têm a expectativa de que o dossiê amplie o reconhecimento da produção brasileira e mostre como a temática vem estimulando trabalhos nos diferentes espaços institucionais no país.