O Encontro às Quintas trouxe à discussão o tema “Saúde, Democracia e Desenvolvimento nos Anos 1950”, com a participação de Gilberto Hochman, professor do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC). Hochman é autor do livro A Era do Saneamento – As bases da política de saúde pública no Brasil (Hucitec Editora/Anpocs), de 1998, que está em sua terceira edição, e organizou, com Diego Armus, Cuidar, Controlar, Curar: ensaios históricos sobre saúde e doença na América Latina e Caribe (Editora Fiocruz), bem como, junto com Maria Silvia Di Liscia e Steven Palmer, Patologias de la Pátria – Enfermedades, Enfermos y Nación en América Latina (Buenos Aires: Lugar Editorial), de 2012.
Explicando que o tema do Encontro às Quintas faz parte de estudo em andamento, o pesquisador apontou alguns aspectos de sua análise: “a reflexão sobre articulação entre os projetos de desenvolvimento dos anos de 1950, a dinâmica da democracia brasileira e as políticas de saúde pública”. De acordo com Hochman, é bastante significativo o número de trabalhos sobre saúde e desenvolvimento produzidos na literatura brasileira e internacional. Contudo, estes estudos concentram-se nos períodos da Primeira República, Governo Vargas e Regime militar, todos caracterizados, em maior ou menor grau, pela limitação – ou mesmo fechamento – das instituições democráticas. Por outro lado, “pouco tem se pesquisado sobre saúde e democracia no Brasil entre 1945 e 1964”, lamenta.
Na mesa, o palestrante convidado Gilberto Hochman e o coordenador do Encontro às Quintas Robert Wegner. Foto de Vinícius Pequeno. |
Para o editor científico da Editora Fiocruz, o estudo dos aspectos políticos, sociais e históricos do período mostra diversos personagens importantes para o processo de consolidação das políticas de saúde pública no país, como a Igreja Católica – segundo Hochman, ela é um ator importante no episódio da “Batalha da Borracha” – e personalidades políticas, como Juscelino Kubitschek de Oliveira, que governaria o país na década de 1950, impulsionando a indústria e outros setores do país. O pesquisador destaca: “a marca do desenvolvimento é aquela que é mais saliente, mais do que democracia”, chamando atenção para a grande característica da gestão JK (1956-1961).
Ao se dedicar ao período democrático, um dos objetivos do pesquisador é reverter uma espécie de “desidratação política” das narrativas sobre política e ações de saúde no Brasil. Para ele, “as perspectivas interpretativas que predominam entre nós tendem, majoritariamente, a apontar continuidades, até porque apontam para dinâmicas mais estruturais de processos de longo prazo, como formação de estado, profissionalização, tradição intelectual etc.”
Na opinião do pesquisador, parte dos argumentos sobre continuidade é derivada também de um “sobrepeso do legado Varguista”, no período posterior [da era Getúlio Vargas]. “Correto, aliás!”, chama atenção. Mas, “obscurece parte essencial da forma pela qual podemos analisar a saúde pública na experiência brasileira entre 1945 e 1964”, adverte.
Por colocar a questão democrática em foco, Hochman ressalta a importância e a riqueza do aspecto político. Lembra que o período é marcado pela derrubada de Getúlio Vargas, em outubro de 1945, e o surgimento do regime militar, em abril de 1964. O pesquisador defende que “é impossível pensar em saúde e ciência na sociedade brasileira sem produzir seus ganchos com os contextos políticos”.
Gilberto Hochman afirma que voltou a temas ligados à plataforma de campanha dos candidatos à presidência de 1955 (Juscelino Kubitscheck-PSD/PTB, Juarez Távora-UDN, Adhemar de Barros-PSP, Plínio Salgado-PRP). Diz ter observado, especialmente em textos de JK na disputa presidencial que havia preocupação do então candidato com o aumento das tensões e os conflitos no campo. Para o pesquisador, a preocupação viria a se tornar real nos anos seguintes, na década de 1960, quando o homem do campo adotaria a carabina como ferramenta, em vez da enxada.
Em seu programa, Juscelino “reafirmava que o foco continuaria sendo as endemias rurais, conjunto de doenças que frequentava a agenda sanitária brasileira desde 1910, e acrescentava a lepra, a tuberculose, as doenças de massa e as emergentes como câncer e as cardiopatias”, destaca. De acordo com Hochman, JK articulou o combate às endemias rurais e o que seriam suas causas: pobreza, fome e desemprego.
Gilberto Hochman também lembrou o médico Josué de Castro, colaborador de Juscelino Kubitscheck desde meados dos anos de 1940, que denunciava o problema da fome e da subnutrição no nordeste. Para Castro, “um governo que se preza reconhecendo a importância da alimentação na vida do povo brasileiro não tem o direito de cerrar os olhos ou tapar os ouvidos para não escutar a grita dos que têm fome”.
A resposta governamental à tragédia “dependeria, nessa visão, do aumento da produção agrícola, da construção de infraestrutura de armazenamento de grãos e sua distribuição, estradas de rodagens e ferrovias, aproveitamento de bacias hidrográficas para irrigação, da produção em escala industrial de fertilizantes e defensivos agrícolas e da mecanização da lavoura. O programa setorial para saúde e assistência era um desdobramento do Plano de Metas de JK, que, por outro lado, não falava especificamente sobre saúde nas suas 30 metas”, revela.
Hochman também constata a influência da Igreja Católica no processo de desenvolvimento do país, em especial na administração JK. Por intermédio da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, criada em 1952), inicia movimento na agenda desenvolvimentista. Entre os líderes que se destacam no nordeste, está dom Helder Câmara, que já aparecia como protagonista de políticas sociais e públicas desde os anos 1930. O resultado foi a “reaproximação da Igreja com o Estado brasileiro”, frisa.
Segundo Hochman, associados ao governo e a intelectuais, os bispos brasileiros buscariam diagnosticar problemas, elaborar e sustentar – iniciativa vista como uma ação pastoral – ações públicas para promover o desenvolvimento nordestino. Por conseguinte, de forma articulada, o objetivo era “diminuir as desigualdades regionais, conter o comunismo, reverter o movimento migratório para as cidades e o processo de expansão das favelas”, destaca.
Igreja, intelectuais, partidos, campanhas eleitorais são exemplos das múltiplas vozes que se fazem ouvir em um contexto democrático. Estas vozes e suas dissonâncias e aproximações desafiam o historiador que estuda o período entre 1945 e 1964 no Brasil. Ao concluir a palestra do Encontro às Quintas, Gilberto Hochman destacou que “a dinâmica democrática implica em competição, conflito e cooperação em torno de projetos dentro e fora do circuito estatal e internacional.”