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Histórias transculturais das psicoterapias são tema de debate no Museu da Vida

24 jul/2018

As histórias transculturais das psicoterapias foram tema do ciclo de conferências internacionais promovido pela Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) e o Health Humanities Centre, da University College London (HHC/UCL), no último dia 12, no auditório do Museu da Vida, em Manguinhos (RJ). Com a participação de convidados da América Latina, Europa e Estados Unidos, o evento foi voltado a estudantes de graduação e pós-graduação e professores e pesquisadores de instituições nas áreas de ciências humanas e sociais.

As duas primeiras edições das conferências foram organizadas pelo professor Sonu Shamdasani nos anos de 2016 e 2017 no Institute of Advanced Studies, centro de excelência da UCL em Londres. Organizada pela professora do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (PPGHCS/COC) Cristiana Facchinetti, a terceira edição do evento incorporou membros da Rede Ibero-americana de Pesquisadores em História da Psicologia, coordenada por Cristiana até 2017. Atualmente o grupo é composto por 13 membros de diferentes países e de instituições internacionais.

Na mesa de abertura do auditório do Museu da Vida estiveram presentes Cristina Guilam, da Vice-Presidência de Educação, Informação e Comunicação da Fiocruz, Magali Romero Sá, vice-diretora de Pesquisa e Educação da Casa de Oswaldo Cruz, Cristiana Facchinetti e Sonu Shamdasani, responsável pela publicação do famoso The red book (O livro vermelho) de Carl Jung (1875-1961). “É uma grande honra receber os convidados internacionais em nossa casa. Eu espero que a gente consiga fortalecer essa rede de pesquisa e possa construir laços duradouros com todos os presentes”, declarou Magali.

Na primeira conferência do encontro, o professor Sonu Shamdasani apresentou a perspectiva das histórias transculturais e falou sobre a crise de identidade da psicoterapia e o fascínio que ela provoca. “A psicoterapia é uma forma de estudar a nós mesmos. É uma mistura de religião, filosofia, medicina e arte. É o que a torna tão interessante”, afirmou Sonu. O pesquisador da University College London discorreu sobre as diferentes escolas de psicoterapia e as disputas entre elas. “Há uma dominância da psicanálise e dos estudos de Freud. Houve uma negligência relativa a outras aplicações de psicoterapias em outros ambientes culturais”, disse Sonu, invocando uma perspectiva transcultural em vez de uma abordagem globalizada.

O evento também contou com a conferência do professor Alejandro Dagfal, da Universidad de Buenos Aires, que abordou a recepção da psicologia, psiquiatria e psicanálise francesas na Argentina. Sua apresentação deu ênfase a ideia de circulação de saberes, chamando atenção para a apropriação ativa e particular dos saberes psi no contexto cultural da América Latina.

O professor Marco Innamorati, da Università di Roma Tor Vergata, discutiu as tensões e assimilações da psicanálise e da psicologia analítica na Itália, especialmente no que diz respeito à Igreja Católica, entre as décadas de 1930 e 1960. Discorreu então sobre a paulatina apropriação da psicanálise freudiana pela Igreja ao longo dessas décadas, assim como de sua percepção negativa acerca de Jung e de sua teoria, ambos considerados como heréticos.

Freud para Todos: Psicoterapia Popular para os Chilenos (1930 – 1940) foi o tema da apresentação do professor Mariano Ruperthuz, da Universidad Diego Portales, de Santiago do Chile. A apresentação tratou do início da circulação e da disseminação da teoria freudiana na cultura de massa da sociedade chilena na virada do século XX, apresentando referências a Sigmund Freud na mídia, em aulas de autoajuda, em novelas, etc.

Pesquisadora do Institut Universitaire d'Histoire de la Médecine et de la Santé Publique, de Lausanne, Suíça, e pesquisadora visitante da UCL-Londres, Jelena Martinovic apresentou a conferência Quase-morte. Como a psiquiatria transformou um fenômeno popular em insight terapêutico, tratando da história dos estudos de experiência de morte iminente no pós II Guerra Mundial, e de como esses estudos transformaram dramaticamente o que ela denominou de “arte de morrer” no Ocidente, assim como do uso dessa experiência traumática como elemento para a transformação pessoal.

Em sua participação, a professora Suzanne Hollman, da Divine Mercy University e da George Washington University (EUA), abordou a entrada da psicanálise nos Estados Unidos através do trabalho clínico do psiquiatra William Alanson White (1870-1937), que reuniu certos aspectos da psicanálise que, acomodados ao lado de outras teorias, organizou o que ficou conhecido como psiquiatria social. Tal perspectiva permitiu a ele tratar com apoio da teoria freudiana psicóticos crônicos e gravemente enfermos, internados nos hospitais psiquiátricos.

Psicólogo, historiador e filósofo das ciências médica da George Washington University, o professor Ulrich Koch, discutiu o conceito de relação terapêutica, a partir da emergência, eclipse e transformações desse objeto epistêmico ao longo do século XX. O conferencista chamou atenção para as diferentes lógicas que regeram as relações lógicas associadas à psicanálise, com as explicações da utilidade clínica da neutralidade e da abstinência dos psicanalistas "clássicos", contrastando com o modo como intelectuais e críticos culturais entenderam o significado da abstinência psicanalítica.

No encerramento do evento, a coordenadora do encontro, Cristiana Facchinetti, apresentou a conferência Psicoterapias, trabalho e arte: apropriações freudianas na psiquiatria brasileira (1925 -1945). Psicanalista, historiadora e membro-fundadora da Rede Ibero-americana de Pesquisadores em História da Psicologia, a professora Cristiana apresentou resultados de sua pesquisa sobre a história do Hospício Nacional de Alienados. A partir da relação entre arte e psicoterapia para os internos do asilo, a pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz debateu a circulação de ideias e práticas naquela que foi a primeira instituição psiquiátrica especializada da América Latina.