Em uma tarde marcada por recordações, homenagens e reflexões sobre perspectivas, a Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz) abriu oficialmente, em 5 de agosto, o calendário comemorativo de seus 40 anos. O evento, realizado no auditório do Museu da Vida Fiocruz, celebrou a trajetória da unidade desde sua fundação em 1985. O ciclo de celebrações – que se estende até 2026 – teve início no Dia Nacional da Saúde e aniversário de nascimento de Oswaldo Cruz, data carregada de simbolismos para a instituição, que tem a valorização da memória da saúde pública e da Fiocruz como parte de sua missão. Assista ao evento na íntegra.
“Celebrar os 40 anos da Casa é reconhecer sua história construída coletivamente em memória, ciência e cultura. Mais que uma data, é um momento para refletir sobre seu papel nos desafios da Fiocruz e da sociedade. A Casa integra a instituição reunindo uma diversidade de formações e saberes que fortalecem nossos projetos,” afirmou Marcos José de Araújo Pinheiro, diretor da unidade.
A cerimônia teve o lançamento do selo comemorativo “COC – 40 anos”. Em seguida, a roda de conversa Uma Casa e muitas histórias reuniu lideranças que ajudaram a escrever a trajetória da unidade em um diálogo sobre a trajetória da Casa. A mediação foi conduzida por Raquel Aguiar, chefe da Coordenadoria de Comunicação Social da Fiocruz.
❝ A Casa nunca foi acessória. Ela sempre teve um papel estruturante, seja na preservação do patrimônio, na produção acadêmica, na formulação de políticas de memória ou na divulgação científica❞
Marcos José de Araújo Pinheiro
diretor da unidade
Presidente da Fiocruz, Mário Moreira prestigiou o evento e classificou a Casa como um “projeto inovador” e uma das referências no pensamento institucional da Fundação. Ele destacou a importância da unidade como elo entre diferentes áreas e gerações. “A Casa de Oswaldo Cruz tem um papel essencial para a Fiocruz: nos ajuda a pensar o futuro a partir da nossa trajetória, da nossa tradição e da nossa força institucional. Celebrar seus 40 anos é reconhecer um projeto inovador, que permanece vivo, moderno e estratégico para os desafios do presente e do futuro”, afirmou.
O presidente reforçou o apoio da presidência da Fiocruz às ações da COC, mencionando o engajamento da gestão atual no processo de reconhecimento do conjunto histórico da Fiocruz em Manguinhos, zona Norte do Rio, como Patrimônio Mundial pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
“Uma Casa e muitas histórias”
Durante a roda de conversa “Uma Casa e muitas histórias”, Marcos José de Araújo Pinheiro e os ex-diretores da unidade — Paulo Gadelha, Nísia Trindade Lima, Nara Azevedo e Paulo Elian dos Santos — refletiram sobre a trajetória e o papel estratégico da Casa ao longo de suas quatro décadas.
Inspirada no poema “Eu amo tudo o que foi”, de Fernando Pessoa, Raquel Aguiar, mediadora do bate-papo, conectou o olhar poético à missão institucional da COC. Ela ressaltou a abrangência das ações da unidade e definiu a Casa como um espaço que “cuida de um castelo construído de tijolos e de sonhos, e nos ensina que somos parte de um patrimônio vivo, da trajetória da Fiocruz, da saúde pública e do SUS”. Em seguida, Raquel provocou os participantes: “Que lugar é esse que a Casa conquistou?”.
Um dos protagonistas de sua criação, Paulo Gadelha, primeiro diretor da unidade entre 1985 e 1997, destacou que o surgimento da Casa foi marcado por uma visão ambiciosa e estratégica. “Essa casa já nasce com uma visão grande, que reflete muitas confluências”, afirmou, ao citar o contexto político de redemocratização do país, o papel de Sergio Arouca e a efervescência intelectual da Fiocruz nos anos 1980. Para Gadelha, a proposta da Casa foi inovadora desde o início: não se limitava a um projeto isolado, mas visava integrar memória, história da ciência, saúde pública, divulgação científica e educação como áreas centrais para pensar o papel da Fiocruz. Ele enfatizou ainda a rapidez com que a Casa se consolidou institucionalmente. “Ela não nasceu como um projeto ou uma linha de pesquisa, mas como uma estratégia institucional. Em dois anos, a Casa já se tornava uma unidade técnico-científica da Fiocruz, com presença no Conselho Deliberativo e protagonismo na formulação de políticas institucionais”. Ao fim, resumiu o espírito do início da trajetória: “Ela começou pequena, com uma mesa emprestada e salas improvisadas. Mas era grande na ambição e nas ideias — e assim continua”.
❝ Celebrar seus 40 anos é reconhecer um projeto inovador, que permanece vivo, moderno e estratégico para os desafios do presente e do futuro❞
Mário Moreira
Presidente da Fiocruz
Nísia Trindade Lima, que esteve à frente da unidade entre 1998 e 2005, relembrou os desafios e conquistas ao longo das últimas quatro décadas e ressaltou a vocação da Casa para o diálogo entre diferentes áreas do conhecimento, contribuindo para consolidar campos como história das ciências, patrimônio cultural e divulgação científica. “Nunca foi um centro especializado isolado, mas um espaço que buscou interferir na cultura institucional da Fiocruz e no debate público mais amplo”, afirmou. Ela também destacou o papel transformador da unidade, tanto na construção de uma visão institucional quanto na contribuição para a revisão crítica da história do país. “A Casa ajudou a recuperar acervos fundamentais e formou gerações que hoje renovam seus projetos com novos olhares, sem perder de vista sua origem marcada pela inovação e compromisso com a democracia”, ressaltou.
Já Nara Azevedo, diretora entre 2005 e 2013, fez um resgate afetivo e político dos primeiros anos da unidade, destacando a intensidade do processo coletivo que marcou sua formação. “Não consigo pensar a Casa sem o contexto político. Saímos de uma ditadura e estávamos profundamente mobilizados para construir um país diferente. Nossa vida profissional era, acima de tudo, um ato político”, afirmou.
Nara destacou ainda a aposta ousada de um grupo de profissionais que, vindos de diferentes instituições e trajetórias, acreditaram no projeto encabeçado por Sérgio Arouca e Paulo Gadelha, mesmo em meio às incertezas. “Acreditamos em algo que ainda não existia. Viemos com entusiasmo, movidos por um espírito de aventura e de construção coletiva. A Casa se transformou em uma unidade técnico-científica em pouquíssimo tempo”. Ela também fez questão de lembrar a importância de Arouca como liderança visionária: “Ele tinha a capacidade de formular um projeto institucional que unia dimensão acadêmica, política e ética. [Ele era] um sedutor de ideias, no melhor sentido. Tivemos o privilégio de participar da construção de algo que hoje é referência”.
Diretor da Casa entre 2013 e 2021, Paulo Elian dos Santos compartilhou reflexões sobre sua trajetória pessoal e o papel estratégico da instituição ao longo das décadas. “A Casa não veio para ser um acessório. A Casa veio para ser estratégica”. Relembrando sua chegada à instituição em 1996 e um seminário interno da unidade, quando a Casa comemorava dez anos, Paulo afirmou que, naquele momento, percebeu que tinha chegado a um lugar diferente. “Aqui eu podia desenvolver projetos, inovar, criar. Era um espaço de acolhimento, mas também de desafio intelectual e institucional”. Ele também falou sobre o pioneirismo da unidade no campo da preservação de arquivos pessoais e na constituição de políticas de memória e patrimônio:
“Nos anos 1980 e 1990, quando se falava em centros de memória e documentação, a Casa era uma referência. Ela sempre esteve entre os nomes citados, mesmo quando não sabiam exatamente de qual área ela fazia parte — ciência, história ou saúde”. Encerrando sua fala, o ex-diretor destacou o caráter coletivo da construção da instituição. “A Casa é um projeto coletivo. Ninguém começou e terminou nada sozinho aqui. Esse projeto não tem pai, é de todos nós. E os créditos devem ser dados a cada um que passou, está e ainda vai chegar”
Engenheiro de formação, Marco José de Araújo Pinheiro chegou à Casa em um momento de mudança pessoal e, por meio de um convite informal, iniciou sua trajetória. “Mesmo como terceirizado, sempre participei das decisões. O ambiente democrático e as assembleias me encantaram. Foi ali que me apaixonei pela Casa e pela Fiocruz”, relembrou.
Ele ingressou como servidor público em 1998, após ser aprovado em concurso. Anos depois, assumiria a direção da unidade, posição na qual reforçou a visão estratégica da Casa dentro da Fiocruz. “A Casa nunca foi acessória. Ela sempre teve um papel estruturante, seja na preservação do patrimônio, na produção acadêmica, na formulação de políticas de memória ou na divulgação científica. Projetos como a revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, o Museu da Vida, os programas de pós-graduação e a política de gestão documental mostram isso”.
Pinheiro também destacou a Política de Memória da Fiocruz como essencial para fortalecer a identidade institucional. “Ao longo desses 40 anos, a Casa se fortaleceu como um projeto coletivo, que se reinventa continuamente. Começamos pequenos, todos cabíamos no Pavilhão do Relógio. Hoje, temos uma estrutura robusta, espalhada por diferentes unidades e territórios. Isso mostra a vitalidade e o compromisso da COC com os desafios da Fiocruz e da sociedade”, finalizou.
Lançamento do Selo de 40 anos da Casa
Na ocasião, a Casa lançou o selo comemorativo “COC – 40 anos”. Inspirado nas formas do Castelo Mourisco presentes na marca da unidade — o icônico edifício da Fiocruz, apelidado de “Alhambra de Manguinhos” — o selo é assinado pela designer Silmara Mansur e simboliza a capacidade de reinvenção da unidade ao longo do tempo. Com linguagem geométrica e visual contemporâneo, o design remete à figura de um animal em transformação, o camaleão,representando a adaptabilidade da Casa sem que se perca sua essência. A iniciativa integra uma tradição da instituição de usar elementos arquitetônicos do Castelo em seus selos comemorativos, reafirmando seu compromisso com a valorização do patrimônio histórico, científico e cultural da Fiocruz.
“Esse selo celebra não apenas os 40 anos da Casa, mas também sua profunda ligação com o patrimônio simbólico da Fiocruz. Ele representa a nossa capacidade de nos reinventarmos sem perder de vista a missão institucional. É um tributo à trajetória de uma unidade que se renova continuamente, impactando vidas e construindo história”, afirma Glauber Gonçalves, chefe da Assistência Técnica de Comunicação da Casa.
As celebrações seguiram no dia 7 de agosto, com foco na valorização dos acervos e da produção editorial da unidade. A agenda integra o calendário dos 125 anos da Fiocruz e segue até 2026.