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Brasilianistas analisam as transformações da sociedade brasileira no Encontro às Quintas Especial

10 ago/2010

O olhar de pesquisadores norte-americanos sobre o Brasil marcou o Encontro às Quintas Especial, realizado em 5 de agosto. Eles discorreram sobre os trabalhos que vêm desenvolvendo no sentido de entender historicamente as transformações da sociedade brasileira, do papel do Exército na formação social brasileira, passando pela análise do “racismo à brasileira”, o Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) e o nacional-desenvolvimentismo, para finalmente abordar movimentos sociais contemporâneos, em especial a  história da Daspu e as interfaces com a saúde pública.

Na palestra de abertura do evento, o professor emérito de história da Universidade de New Hampshire (EUA), Frank McCann, abordou quase meio século da história do Exército brasileiro, tema minuciosamente documentado no livro de sua autoria Soldados da Pátria: história do Exército brasileiro, 1889-1937.

Falar sobre a formação do Exército brasileiro se faz oportuno no momento em que este tema vem despertando o interesse dos alunos do Programa de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz, como afirmou o coordenador do Encontro às Quintas.  Marcos Chor Maio citou a dissertação de mestrado defendida por Vitor José da Rocha Monteiro, sob a orientação da pesquisadora e professora Simone Kropf, intitulada Do “exército de sombras” ao “soldado-cidadão”: saúde, recrutamento e identidade nacional na revista Nação Armada (1939-1947).

Referência no estudo do tema, com passagem pela Universidade de Brasília, Universidade Federal do Rio de Janeiro e de Roraima, o professor da Universidade de New Hampshire, Frank MacCann, afirmou que o Exército era a única instituição nacional, o cerne do Estado brasileiro que se desenvolvia, especialmente entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX.  

O historiador chama atenção para o nacionalismo do corpo de oficiais das Forças Armadas. “Para os militares, a pátria brasileira estava acima da constituição, do gabinete, do imperador, do presidente”, diz ele.

 

 

Home às esquerda careca, de óculos, com a mão na boca. À direita um senhor de cabelo branco. Os dois estão em uma mesa diante de microfones

McCann fala sobre a formação do Exército, ao lado do coordenador do
Encontro às Quintas Marcos Chor Maio. Foto: Divulgação COC

 

 

Os partidos políticos na época de 1889 a 1930 não eram nacionais e sim regionais. A Igreja Católica, embora presente em todo o país, era internacional na composição do clero, liturgia e propósitos, mesmo sendo o catolicismo instrumento da cultura brasileira. E McCann lembra que Gilberto Freyre afirmava: “Nem a Igreja nem os partidos políticos mantinham a unidade do território brasileiro. Quem fazia isso era o Exército”.

McCann contesta a tendência dominante de se entender os militares como porta-vozes da classe média urbana. Episódios como as rebeliões de Canudos e Contestado e o levante paulista de 1932 são exemplos de que a missão dos militares não foi apenas garantir o controle político das oligarquias civis. A institucionalização das Forças Armadas, suas dificuldades para se equipar e modernizar e as práticas de recrutamento foram temas também abordados na palestra.

 

Mais Brasil na tarde do Encontro às Quintas

 

Integrando também o grupo de brasilianistas participante do Encontro às Quintas, Brodwyn Fischer, Ph.D. em história pela Universidade de Harvard e, entre outras atuações,  professora associada de história na Universidade de Northwestern,  é especialista no Brasil moderno e América Latina, com ênfase na história do direito, das cidades, migração e desigualdade social.

Autora do livro A poverty of rights: citizenship and inequality in twentieth century Rio de Janeiro, Brodwyn falou da presença e ausência da questão racial nos debates públicos sobre a pobreza urbana no Brasil, especificamente no Recife, que tem uma posição de destaque na história das lutas sociais urbanas.

 

Essas lutas, segundo a historiadora, estão associadas aos mocambos, que não só foram alvo das primeiras políticas públicas enfocadas na questão da informalidade urbana, como também de muitos movimentos sociais locais que surgiram nos anos 1920.
Courtney J. Campbell foi a próxima palestrante do Encontro às Quintas. Doutoranda em história da América Latina, com foco no Brasil moderno, na Universidade de Vanderbilt, Courtney analisou o discurso intelectual sobre a cultura brasileira e a influência cultural estrangeira, publicado entre 1954 e 1960 por intelectuais associados ao ISEB.

 

O que estes intelectuais escreveram e por que não abordaram diretamente a crescente presença da cultura norte-americana no Brasil nesta época é o alvo da pesquisa de Courtney. No Encontro às Quintas, a historiadora fez um breve resumo da análise dos textos de Nelson Sodré, Roland Corbisier e Roberto Campos, publicados em 1955. Também analisou os trabalhos de  Vieira Pinto e Guerreiro Ramos, publicados em  1960. Segundo ela, as interpretações de cultura oferecidas por esses autores não são homogêneas, permitindo uma análise diversificada do nacional-desenvolvimentismo brasileiro.

 

 

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Da esq. para à dir. Laura Murray, Brodwyn Fischer e
Courtney J. Campbell. Foto: Divulgação COC

 

Encerrando as apresentações, a antropóloga Laura Murray, doutoranda do Programa de Pós-graduação da Universidade de Columbia, falou sobre o movimento social das prostitutas, a ONG Davida, fundada em 1992, e a grife Daspu, criada em 2005, com o objetivo de ampliar cultural e politicamente a atuação da organização.

Segundo a pesquisadora, a epidemia da AIDS, no contexto da democratização da sociedade brasileira, é fundamental para se entender a aproximação da sociedade civil com o movimento das prostitutas. Este adquiriu maior visibilidade no momento em que sua líder foi convidada pelo governo a participar do desenho da política de combate à AIDS.

 

Após as apresentações, os debatedores Luiz Otávio Ferreira e Robert Wegner, pesquisadores e professores da Pós-graduação da Casa de Oswaldo Cruz, teceram comentários sobre os textos apresentados e levantaram questões.