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Aventuras e desventuras do estudo sociológico de um tema historiográfico: o movimento pela abolição da escravatura no Brasil

22 nov/2011

A socióloga Angela Alonso abriu o último Encontro às Quintas de 10 de novembro, explicando que a abordagem que faz do tema é o diálogo de uma socióloga com os historiadores. “Sou louca por uma generalização, já a história gosta de um detalhe”, comentou bem humorada. Segundo ela, a historiografia constrói, recupera a Abolição pelo viés dos abolicionistas, mas deixa de lado as instituições, e o que lhe interessa é o abolicionismo como movimento social, e portanto “a relação dialógica do movimento com o poder estatal que desafia”.

Ao iniciar a palestra Angela Alonso disse que em todo período de campanha abolicionista coexistiram grupos moderados e radicais que escolheram suas arenas e estratégias de forma contingente, assim como aconteceram fases diferentes de mobilização conforme a posição do Estado em relação ao movimento. Ela chama essas fases de “flores, votos e espadas”, e explica: no Brasil a escravidão era muito rentável, o sistema político era amparado pelos senhores de escravos, que contavam com prestígio social.

 

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Angela Alonso fala do seu interesse no abolicionismo como
movimento social.
Foto: Roberto Jesus Oscar

 

Assim, para o movimento antiescravista acontecer algumas mudanças foram necessárias. Com a urbanização da sociedade, novas maneiras de sentir foram percebidas, como a compaixão pelo semelhante, disse a socióloga. As mudanças advinham da Europa onde surgia uma nova sociedade industrial, urbana e livre, com uma retórica de progresso, direito e compaixão.

 

Em 1871 foi promulgada a Lei do Ventre Livre, que passou a considerar livres os filhos dos escravos nascidos a partir daquela data, e o debate se intensificou deslocando-se de dentro das instituições para as ruas, contou a palestrante. Para Angela, no fim do século 19 estava ativa uma rede abolicionista transnacional, cujo mediador era Joaquim Nabuco, um jovem aristocrata inteligente, cujo pai era senador e líder liberal. Nabuco passou de 1876 a 1878 entre os EUA e a Inglaterra, em posições diplomáticas, construindo vínculos entre o movimento abolicionista brasileiro e os países que apoiavam o fim da escravidão.  

O movimento divulgava suas ideias e arrecadava fundos com a realização de comícios show, eventos culturais com dramatização, comédia e músicas de câmara, sendo o ápice do evento a encenação da libertação de um escravo. Em resposta, o público, que podia chegar a duas mil pessoas, jogava flores no palco. “Era uma ideia de ativismo pacífico e portátil porque era um modelo de evento que poderia ser reproduzido facilmente em qualquer lugar”, disse ela.

Segundo Angela, durante o movimento algumas províncias aboliram a escravidão e lançaram-se várias candidaturas abolicionistas. Em 1885 foi promulgada a Lei dos Sexagenários, que concedia liberdade apenas aos escravos com mais de 60 anos, que já não dispunham mesmo de força e disposição para encarar as péssimas condições de trabalho impostas pelos senhores de engenho. Joaquim Nabuco foi um dos parlamentares que se elegeu, mas “com a queda do primeiro ministro liberal Manoel de Souza Dantas a questão se inverteu. Se até então havia uma razoabilidade para com o movimento, já com o conservador e repressor barão de Cotegipe tomando o poder, em 1887, a propaganda abolicionista foi proibida”.

A rede abolicionista juntava radicais e moderados e colaborava com fugas de escravos. Inclusive, o jornal republicano O País chegou a publicar uma rota de fuga. De 1887 a 1888 o movimento recebeu “certificação social” contando com apoio da Igreja, grande imprensa e do Congresso, explicou Angela. O barão de Cotegipe é demitido pela Princesa Isabel, que assina a Abolição da Escravatura em 13 de maio de 1889. “Não quero dizer que o movimento é homogêneo porque nenhum é, mas ele foi mudando de acordo com a conjuntura”, acredita a socióloga.

 

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Público atento à palestra de Angela Alonso.

 

Durante o debate com o público do Encontro às Quintas, a palestrante disse que há anos faz pesquisa historiográfica com perguntas de socióloga. “Eu sempre quero pôr a particularidade num sistema que dê conta do fenômeno”. No caso dessa pesquisa, ela operou três planos: o movimento, os indivíduos líderes e as associações/eventos. O objetivo era descobrir a estrutura das conjunturas. “Como o movimento é uma forma de ação coletiva, o que faço mais é a história das associações, que são muitas — cerca de 200 em todo país — mas vão confluir na Confederação Abolicionista, e com isso o movimento ganha forma de rede”. E, finalizou dizendo que “a minha estratégia foi definir o ‘discurso’ porque ele não muda muito, e nesse caso estudado aparecem sempre as retóricas da compaixão, do progresso e do direito”.