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Aula inaugural: Divulgação científica nas ondas do rádio no Rio dos anos 1920 e 1930

24 abr/2015

 “Muitas pessoas andam intrigadas com a significação precisa do vocábulo ‘broadcasting’. É uma palavra inglesa formada pela junção de dois vocábulos. O verbo – ‘to cast’ […] – quer dizer ‘semear’. É um termo ‘essencialmente agrícola’. ‘Broad’, por sua vez, significa ‘ao largo’, ao longe. De onde ‘broadcasting’, semear ao longe, lançar bem ao largo a boa semente.” O texto que explica o termo usado para se referir a transmissões radiofônicas, hoje amplamente difundido, foi publicado originalmente em fevereiro de 1926 na primeira edição da Revista Eletron, da Rádio Sociedade do Rio de Janeiro.

Resultado de esforços de diversos intelectuais liderados por Roquette Pinto, a Rádio Sociedade e as revistas Radio e Eletron foram tema da aula inaugural ministrada pela historiadora Regina Horta Duarte, professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sobre divulgação científica no Rio de Janeiro dos anos 1930. Esse grupo, que apostou na divulgação científica na primeira metade do século 20, via nas ondas do rádio uma oportunidade de levar informações que ajudassem a transformar um Brasil ainda essencialmente rural, doente e sem acesso à educação.

“A ideia de conquista do sertão, do aproveitamento racional da terra, do resgate do homem do sertão pela educação e por empreendimentos que levassem a ele condições de saúde coube como uma luva nessa perspectiva do broadcast como um ato do mundo agrícola, de levar a semente”, disse Regina sobre o significado original da palavra.

A Rádio Sociedade surgira no âmbito da Associação Brasileira de Ciências, instituição que defendia a delimitação de fronteiras entre as ciências, isto é, perseguia o refinamento dos campos do conhecimento por meio de cursos e outras atividades. Em outra frente, a associação visava levar conhecimentos para além do meio restrito dos cientistas, de forma a mudar a sociedade. Nesse contexto, questões científicas se mesclavam a questões políticas, explicou Regina. De acordo com ela, a instituição encampava o conceito de interesse e bem-estar coletivo, que estavam no cerne da ideia republicana.

“No fim dos anos 1920 e começo dos anos 1930, homens se reuniram em prol da ciência e arregaçaram as mangas para lidar com problemas concretos e trabalhar coletivamente”, afirmou Regina. Para veicular programas de rádio, por exemplo, eles tiveram que resolver problemas práticos ligado às transmissões e aos equipamentos utilizados, de acordo com a pesquisadora. Diante de uma sociedade que desprezava trabalhos manuais e questões práticas, essa atitude representava um rompimento com uma cultura “bacharelesca” e com o “eruditismo”.

A ideia dos fundadores da Rádio Sociedade, afirmou Regina, era de que as transmissões pudessem chegar a localidades onde não havia escolas. “Não se tratava apenas de alcançar alguém que estivesse distante, mas que alguém que estivesse distante pudesse alcançar um mundo que antes não poderia imaginar”, disse sobre essa experiência de divulgação científica, que primava pela busca da transformação e de comprometimento social.

Ao mesmo tempo que a rádio visava “transportar os ouvintes para outros lugares”, sua programação também valorizava o conhecimento do mundo imediato, incluindo conhecimento sobre a flora e a fauna local e de tudo que estava ao redor dos ouvintes. “É difícil saber o impacto que isso teve na vida das pessoas que tiveram acesso [às transmissões], mas de uma coisa eu não tenho dúvida: a divulgação científica muda quem a realiza”, avaliou a pesquisadora.