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Aula inaugural aborda o papel da pesquisa biográfica na história

23 mar/2012

Na abertura do ano letivo de 2012 da Casa de Oswaldo Cruz em 21 de março, na Fiocruz, o historiador Jorge Ferreira ministrou a aula inaugural, apresentando o livro de sua autoria Jango, uma biografia (Civilização Brasileira, 2011), que retrata a vida pessoal e política do ex-presidente da República João Goulart.  Professor titular de história do Brasil da Universidade Federal Fluminense (UFF), ele também falou sobre a produção de biografias e os caminhos que percorreu durante sua pesquisa, na qual utilizou arquivos privados, jornais, periódicos, entrevistas e depoimentos.

 

“Estudei Getulio Vargas e o trabalhismo, daí surgiu a curiosidade sobre João Goulart. Foram dez anos de trabalho. Creio que chegou o momento de retirar Jango do limbo da memória do país”, diz Jorge Ferreira.

 

 

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Paulo Elian, vice diretor de Pesquisa, Educação e Divulgação Científica
da COC,apresenta o historiador Jorge Ferreira
. Foto: Edna Padrão

 

João Belchior Marques Goulart nasceu em São Borja, no dia 1º de março de 1919 e morreu em 6 de dezembro de 1976. Conhecido popularmente como “Jango”, foi um político brasileiro e o 24° presidente do país, de 1961 a 1964, quando foi deposto por um golpe. Em Jango, uma biografia, o autor explica que Goulart tinha clareza do ocorreu nos dias 31 de março e 1º de abril de 1964. “Não se tratava de grupos civis e militares isolados da sociedade que tentavam golpes — como em agosto de 1954, novembro de 1955 ou agosto de 1961”. Para o professor, “o que ocorria era um levante do conjunto das Forças Armadas com o apoio dos principais governadores dos  estados da Guanabara, de São Paulo, Minas Gerais e do Rio Grande do Sul, com suas polícias estaduais”.

 

Jorge Ferreira acentuou que o presidente do Congresso Nacional, Auro de Moura Andrade, apoiou o golpe e o presidente do STF, o desembargador Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, calou-se diante da quebra do regime constitucional. O golpe de Estado também tinha o apoio dos meios de comunicação, do empresariado e de amplas parcelas da classe média nacional. Mais ainda, Jango teve notícias, na manhã de 31 de março, que o governo norte-americano apoiaria os golpistas — particularmente o grupo do governador mineiro Magalhães Pinto — com sustentação financeira, militar e diplomática. Para o historiador, João Goulart poderia ter dado o grito de resistência. E a resistência ocorreria. Mas o custo seria uma sangrenta guerra civil com participação estrangeira.

 

Jorge Ferreira ressalta que João Goulart deve ser reconhecido por sua coragem, ao evitar a guerra civil. Em outro aspecto, os golpistas, civis e militares, não planejavam implantar uma ditadura de 21 anos. O objetivo mais imediato era depor Goulart. O presidente, sabendo disso, acreditou que, em breve, a normalidade democrática retornaria ao país. “Não foi o que aconteceu. Mas nós sabemos disso hoje. Naquela época, os personagens não conheciam o futuro”, diz ele.

 

A biografia na atualidade

 

Segundo o historiador, não são apenas historiadores que escrevem biografias, como também doutorandos , jornalistas e curiosos.  Ele condena o que chama de “biografia de mercado”, escrita para enaltecer determinados indivíduos, carregada de sensacionalismo. Fala também dos embates entre historiadores e jornalistas na produção de biografias. “Devido a sua formação, o historiador tem que estar ancorado em fontes. Já o jornalista tem uma prática diferente; tem o direito de preservar sua fonte, além de poder exercer uma prática ficcional”, diz. Embora essa prática seja vista com certa desconfiança pelos historiadores, Jorge afirma não ter nenhum problema quanto a isso e cita como exemplos Ruy Castro, com a biografia de Nelson Rodrigues, e Fernando de Morais, que escreveu sobre Assis Chateaubriand.

 

Nesse sentido, Jorge Ferreira fala sobre a mudança de paradigmas a partir de  1980, que permitiu que historiadores olhassem para outros ângulos, revelando a importância do indivíduo na história.  “Não se trata de dizer que o indivíduo é que faz a história, como na escola tradicional, e sim mostrar que decisões individuais também influenciam o curso dos acontecimentos e por isso devem ser consideradas”, afirma. Como exemplo, aponta a história de João Goulart que, se não rompesse com o PSD e não tivesse feito alianças com a esquerda, em 1963, talvez a história fosse outra.

 

E o historiador dá a receita de como escrever uma biografia: “exige tempo, dedicação e uma certa maturidade profissional para saber lidar com o outro. Temos que ter uma certa tolerância para entender o outro”. Jorge Ferreira ressalta a importância da pesquisa prévia, assim como da utilização de documentos e fontes: “tem que gostar do seu tema de estudo, mas sem perder a percepção crítica”.

 

Os caminhos percorridos

 

A opção por estudar a vida privada e política de Goulart se deu em 1999. Em princípio, Jorge Ferreira pesquisou apenas a trajetória política de João Goulart entre 1945 e 1964. Com o tempo, decidiu ampliar a pesquisa.  Passaram-se dez anos e o resultado foi a publicação de Jango, uma biografi a. Com 700 páginas , o livro  enfoca a vida política e privada do ex-presidente.

 

 

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Goulart foi um personagem importante, mas as análises sobre ele não se distanciam das paixões políticas. Ora é definido como demagogo e incompetente, ora como vítima de um grande conluio de empresários brasileiros com o governo norte-americano. Eu quis conhecer o personagem para compreendê-lo e não julgá-lo”, afirma o historiador.

 

No decorrer da sua pesquisa, o professor se deparou com dois grandes desafios. Um deles foi o de conhecer a infância e juventude do biografado, pois não havia nada publicado a esse respeito. O outro desafio foi desvendar o período em que Jango esteve no exílio. Segundo ele, embora existam muitos depoimentos sobre a sua vida no exílio, o material é disperso.

 

Durante a pesquisa, Jorge Ferreira consultou jornais, sobretudo os do período entre 1952 e 1964. Também entrevistou amigos, parentes e familiares do ex-presidente. Consultou ainda memórias e biografias de personagens que conviveram com Jango; fundos documentais, como os que existem sobre o próprio personagem da história e Getúlio Vargas, e depoimentos de História Oral, ambos disponíveis no CPDOC – FGV.

 

Imprescindíveis também foram os depoimentos da viúva do ex-presidente, Maria Thereza Goulart, e a filha, Denise Goulart, sobre a vida privada de Jango. “Eu também entrevistei o irmão de Maria Thereza, João José Fontella, e a única irmã de Goulart ainda viva, dona Yolanda Goulart”, diz o historiador.

 

Segundo Jorge Ferreira, atualmente a imagem de JK foi resgatada. Mas a imagem de João Goulart ainda sofre com as versões desqualificadoras criadas sobre ele: despreparado, corrupto, alcoólatra, mulherengo etc. “Creio que o melhor recurso para superar tais versões é conhecê-lo”, diz. Com base em extensa documentação, segundo o autor, “o livro tenta compreender João Goulart, exatamente com o objetivo de conhecê-lo”. Citando Eric Hobsbawm, ele ressaltou que “um dos papéis do historiador é lembrar à sociedade o que aconteceu no passado. Foi o que eu fiz”.

 

 

Assista a palestra na íntegra