Ao estudar a presença de franceses no Brasil, o historiador Laurent Vidal, da Universidade La Rochelle, conheceu a geógrafa Maria Isabel de Jesus Chrysóstomo, da Universidade Federal de Viçosa. Logo perceberam que havia um “cruzamento ou encontro” entre os seus projetos de pesquisa e começaram a trabalhar juntos, visando discutir vários aspectos da memória dos imigrantes europeus que se espalharam ao longo da costa deste país, durante o século 19 até às primeiras décadas do século 20. O foco do estudo que fizeram foram as hospedarias, compreendidas como “territórios ou espaços de espera”.
“A historiografia presta pouca atenção a essas estruturas de acolhimento, nos curtos períodos em que grandes levas de emigrantes se transformavam em imigrantes”, ressaltou Laurent Vidal na apresentação aos alunos dos cursos de pós-graduação em história das ciências e da saúde e de especialização em preservação e gestão do patrimônio cultural das ciências e da saúde, no dia 13 de junho. Ele e Maria Isabel falaram dos desafios de recepcionar as famílias estrangeiras que, muitas vezes, cruzavam o Atlântico em uma travessia longa e sofrida ou desgastante, na expectativa de emprego e de uma vida diferente na América.
Havia hospedarias em São Paulo, como a do Brás, uma verdadeira fortaleza e, certamente, a mais bem organizada. No Rio de Janeiro foram instaladas várias delas, uma na Ilha do bom Jesus, conhecida hoje como Ilha do Fundão, além das de Macaé e Paraíba do Sul. Mas a primeira foi na Ilha das Flores, localizada em frente ao município de São Gonçalo, bem distante do Centro urbano. No Pará, Paraná, em Santa Catarina, na Bahia e em Minas Gerais foram construídas hospedarias para os imigrantes. Segundo Maria Isabel, “em um primeiro momento, a recepção era muito improvisada”. Em 1836, surgiu no Rio a Sociedade Promotora da Colonização, na Lapa do Desterro.
“Os dormitórios para os homens e as mulheres eram separados. Tinham os escritórios, a prisão e as enfermarias, onde todos faziam exames médicos e eram registrados”, explicou a pesquisadora. Depois, os recém-chegados ficavam aguardando a chamada para um emprego. Maria Isabel destacou que os responsáveis pelas hospedarias, que ocupavam prédios adaptados de antigos lazaretos e hospitais, se preocupavam com as normas disciplinares rigorosas, impostas aos imigrantes.
Segundo Laurent Vidal, uma legislação específica de 1896 determinava como receber, acolher e distribuir imigrantes. “Controlava-se o tempo, os gastos e os corpos”, acentuou, acrescentando também que passou a haver “uma competição regional” entre as hospedarias, quanto à “melhor estratégia de controle” nos momentos da recepção e distribuição.
Em 1850, a capital do Brasil imperial estava infestada pela febre amarela e naquele período já se verificava o aperfeiçoamento médico e administrativo na forma de acolher os imigrantes. Aí, possivelmente, estaria a resposta ao fato de a primeira hospedaria da cidade ter sido construída na Ilha das Flores, longe do centro urbanizado: para evitar a troca de vírus e o contágio mútuo, tanto da população local para os imigrantes, como o inverso.
Desenho de garoto alemão, filho de imigrantes, |
Laurent Vidal ressaltou duas características das hospedarias: a primeira delas é que funcionavam como um território de espera, até que os imigrantes encontrassem um lugar para viver e trabalhar. A outra é que eram isoladas por natureza, como as ilhas e penínsulas, apesar de poucas delas terem sido instaladas em uma ilha. Havia grande preocupação com a higiene, para evitar o contágio.
Os imigrantes chegavam de barco a vapor, deixavam suas bagagens em um depósito e iam de trem para as hospedarias distantes, onde cumpriam as exigências de rotina: registro, desinfecção de roupas, exames médicos e vacinação. Todo este processo, somado à espera pela oferta de trabalho adequada ao perfil do indivíduo ou grupo, levava em torno de seis dias.
A análise dos dois pesquisadores tem o foco voltado para este período, que inclui os dias em que os emigrantes passavam nas hospedarias. Eles tentam compreender as dificuldades daquelas pessoas vindas de países distantes, a partir do convívio com desconhecidos em um espaço comum, em um novo país, de idioma diferente do seu, à necessidade de se adaptar à alimentação, ao clima, que compõem toda a nova cultura.
Maria Isabel de Jesus Chrysóstomo e Laurent Vidal, que têm publicações sobre o tema, destacam que todo aquele ambiente provocava atritos entre os imigrantes, que sentiam a perda da individualidade e parte de sua identidade, quando partiam de trem para uma nova vida, em fazendas espalhadas pela costa brasileira, onde colonos eram aguardados para trabalhar a terra.