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Especial O Ministério da Saúde e o PNI | Trajetórias, balanço e perspectivas

31 jul/2023

Carlos Henrique Assunção Paiva​ (COC/Fiocruz)*

 
 

As décadas seguintes ao fim da Segunda Guerra Mundial foram marcadas por profundas mudanças na forma de se pensar o conceito, as práticas, as ações e as políticas de saúde no Brasil e em boa parte do planeta. As transformações e a velocidade dos ventos de mudança ensejaram diferentes experiências institucionais em âmbito local, nacional e internacional, bem como se articularam com a criação ou a reorganização de diversas instituições de saúde que teriam longa vigência (Pires-Alves; Paiva; Falleiros, 2010). Como partes desse contexto, marcado por um conjunto mais ou menos diferenciado de inovações, no dia 25 de julho de 1953 era criado o Ministério da Saúde; cerca de 20 anos depois, no dia 18 de setembro de 1973, era também criado o Programa Nacional de Imunizações (PNI) em nosso país. Ambas as instituições fazem, em 2023, aniversários de respectivamente 70 e 50 anos. Se, de um lado, os anos acumulados dão vistas à maturidade institucional conquistada por décadas de serviços prestados ao povo brasileiro; de outro, especialmente nos últimos anos, este mesmo acúmulo se viu frontalmente testado pelos desafios colocados pela pandemia de Covid-19, mas também pelas incertezas e instabilidades do cenário político-institucional nacional.

À trajetória dessas duas instituições se articularam sempre diferentes ideias, perspectivas doutrinárias, movimentos intelectuais, ações e políticas. Não se pode dizer que haja, ao longo do tempo, uma coerência ou uma integração coerente entre essas diferentes dimensões. Nos seus 70 anos de vida, por exemplo, o Ministério da Saúde foi palco de diversos movimentos que, sob a condução de distintos atores, ora orientaram a ação ministerial com vistas ao fortalecimento de políticas de tom mais liberal – e por que não dizer, privatizante –, ora imprimiram orientações que consideravam um papel de maior protagonismo do Estado na oferta e garantia de acesso aos serviços de saúde. De um ponto a outro do espectro político-ideológico, uma gradação de diferentes tonalidades que, ainda que possam se apresentar como contradições, dizem respeito à riqueza de disputas de ideias e de orientações doutrinárias para as políticas no interior da burocracia pública. Ou seja, instâncias como o Ministério da Saúde foram e são organismos de observação privilegiada das disputas entre projetos para a saúde pública brasileira, quiçá para o modelo de desenvolvimento do país. Em que pese as suas importantes peculiaridades, o mesmo pode ser dito com relação à trajetória dos 50 anos do PNI.

No contexto em que registramos índices de morbimortalidade de Covid-19 em queda constante e, ao mesmo tempo, somos capazes de ver, por parte das autoridades sanitárias, ações de comunicação pública e de imunização coletiva alinhadas às boas práticas de gestão política do Sistema Único de Saúde (SUS), análises críticas das trajetórias destas importantes instituições da saúde do nosso país tornam-se imprescindíveis. É sob esse espírito que apresentamos a série especial que se debruça, em perspectiva histórica, sobre a trajetória do Ministério da Saúde e do Programa Nacional de Imunizações. Trajetórias decenais, constituídas por ideias e atividades tão complexas, exigem por parte dos analistas distinções que diferenciem elementos mais transitórios daqueles mais estruturantes, com implicações mais duradouras para a vida das instituições e a vigência de suas políticas. Considerando os problemas e desafios postos em nossos dias, os últimos elementos devem nos interessar mais que os primeiros.

Nesta série, abordaremos temas que dizem respeito ao processo de criação e formulação de ambas as instituições, conectando tais processos às ideias e experiências institucionais anteriores e aos seus respectivos contextos sanitários, sociais e políticos imediatos. Dessa forma, acreditamos contribuir para uma perspectiva menos burocrática ou mesmo voluntarista do processo de criação de aparatos estatais em favor de leituras que valorizam a ação coletiva, bem como a rede de elementos político-institucionais associados e vigentes em seus devidos contextos. Visitaremos, ainda, algumas das ações e políticas mais estruturantes, como a erradicação da poliomielite ou mesmo, por parte do Ministério da Saúde, o enfrentamento da epidemia de Aids. Essas ações e políticas, somadas a outras consideradas nesta série, representam marcos nas trajetórias das instituições aqui em exame e são partes fundamentais da própria história da saúde pública brasileira.

Também estarão sob análise iniciativas e temas que representam respostas e desafios ao poder público, como são os casos das ações e políticas voltadas para os problemas de saúde mais prevalentes, no terreno das doenças infectocontagiosas e das condições crônicas, bem como as agendas sanitárias mais focalizadas, como saúde da mulher, da população negra, das comunidades indígenas etc. O conjunto dessas iniciativas, como sabemos, se articula doutrinária e institucionalmente ao SUS, de modo que caberá um exame acerca do papel do Ministério da Saúde e do Programa Nacional de Imunização no seu funcionamento e fortalecimento.

Compõem esta série textos de pesquisadoras e pesquisadores de diferentes lugares institucionais, o que nos permite leituras a partir de distintas perspectivas e abordagens. Nas próximas semanas, será possível acompanhar a série especial em duas publicações semanais no website da Casa de Oswaldo Cruz, às segundas e quintas-feiras. Convidamos a todas e todos para nos acompanhar e assim refletirmos juntos sobre os horizontes colocados para a gestão e as políticas de saúde pública em nosso país a partir dos protagonismos tanto do Ministério da Saúde quanto do seu Programa Nacional de Imunização.

*Carlos Henrique Assunção Paiva​ é pesquisador do Observatório História e Saúde (Depes/COC/Fiocruz) e professor do PPGHCS/COC/Fiocruz.

Referência:

PIRES-ALVES, Fernando A.; PAIVA, Carlos Henrique Assunção; FALLEIROS Ialê. Saúde e desenvolvimento: a agenda do pós-guerra. In: Carlos Fidelis Ponte; Ialê Faleiros (Orgs.). Na corda bamba de sombrinha: a saúde no fio da história. Rio de Janeiro: Fiocruz/COC; Fiocruz/EPSJV, 2010.

Confira abaixo os textos da série:

O Ministério da Saúde: 70 anos
Cristina Fonseca e Wanda Hamilton​ (COC/Fiocruz)
As ações de vigilância e imunização nos anos 1970 e a criação do PNI
Anna Beatriz de Sá Almeida​ (COC/Fiocruz)
O contexto da Reforma Sanitária e a formulação do SUS
José Roberto Franco Reis​ (COC/Fiocruz)
O enfrentamento da epidemia de Aids no Brasil
Eliza da Silva Vianna​ (Ifal)
A construção da Política Nacional de Atenção Básica
Márcia Valéria Morosini (EPSJV/Fiocruz)​
A cor da desigualdade: a Política de Saúde da População Negra
Roseli da Fonseca Rocha​​ (IFF/Fiocruz)​
As políticas de educação e gestão para o trabalho no SUS
Thais Vidaurre​ (COC/Fiocruz)​
O PNI em áreas indígenas: percursos e desafios
Carolina Arouca G. de Brito​​ (COC/Fiocruz)
O Ministério da Saúde e as políticas de equidade de gênero
Daniela Murta (Unesa)
O Ministério da Saúde e a pandemia de Covid-19: crises e reconstruções
Luiz Alves Araújo Neto (COC/Fiocruz)
Fontes para a história do SUS no acervo da Casa de Oswaldo Cruz
Ana Luce Girão (COC/Fiocruz)
Trajetórias, balanço e perspectivas: palavras finais
Carlos Henrique Assunção Paiva​ (COC/Fiocruz)