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‘Alhambra de Manguinhos’, Castelo da Fiocruz reúne influências diversas

Palácio seiscentista no Recife e sinagoga em Berlim estão entre as inspirações do Pavilhão Mourisco, mostra artigo publicado em HCS-Manguinhos

Karine Rodrigues

30 set/2020

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O nome entrega a inspiração na arquitetura islâmica, mas o imaginário da concepção do edifício-sede da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), que este ano festeja seus 120 anos, é uma viagem a países e tempos diversos, de palácio seiscentista no Recife a sinagoga em Berlim, relata José Manuel Rodriguez Domingo, da Universidade de Granada (Espanha), em artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

Segundo o pesquisador, é “plausível considerar” a sede “um monumento às ciências árabes” e um “exemplo acabado de islamofilia” – o termo surgiu com o expansionismo colonial de países como a França, o Reino Unido e a Alemanha, que possibilitou acesso à variada amostra decorativa do Islã, presente desde Al-Andalus, território da antiga península ibérica, à índia mulçumana.

No artigo A Alhambra de Manguinhos: islamofilia e função ornamental no Castelo Mourisco no Rio de Janeiro, Domingo analisa a predominância de elementos da arte da dinastia muçulmana nasrida na concepção do projeto e destaca que a construção recebeu “influências estéticas, formais, especiais e funcionais das mais diferentes origens”.

Construído em uma antiga fazenda às margens da Baía de Guanabara, sede do Instituto de Soroterápico Federal (1900), origem da Fiocruz, o Pavilhão Mourisco tomou forma a partir das ideias do cientista Oswaldo Cruz (1868-1955) e do arquiteto português Luiz de Moraes Júnior (1872-1917).

A leveza da linha e os traços apressados do Pavilhão Mourisco são atribuídos à mão do próprio Oswaldo Cruz, refletindo o pensamento de um edifício marcante e sugestivo

José Manuel Rodriguez Domingo

Universidade de Granada

Às memórias de raízes andaluzas de Moraes Júnior, somaram-se as referências do viajado pesquisador, que fez o desenho inicial do projeto: um castelo de dois pavimentos, sem torres. Reunidas, elas resultaram em uma das construções mais representativas do período eclético da arquitetura brasileira.

A dupla se conheceu durante a construção da Igreja da Penha, no Rio, projeto de Moraes Júnior, e estabeleceu uma parceria fundamental para o sucesso da empreitada. A supervisão de Oswaldo Cruz sobre as obras de planejamento e urbanização do campus, escreve Domingo, assemelha-se à exercida nas reuniões semanais de estudos com seus pesquisadores.


Alhambra (foto), na Espanha, influenciou o projeto do Castelo da Fiocruz. Foto: Glauber Gonçalves.

 

No esboço original, um projeto com dois pavimentos e sem torres

Segundo ele, o projeto do edifício-sede passou por modificações significativas a partir dos primeiros esboços, que integram o acervo da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Iniciada em 1905, a obra foi concluída em 1918.

“A leveza da linha e os seus traços apressados são atribuídos à mão do próprio [Oswaldo] Cruz, refletindo o pensamento de um edifício marcante e sugestivo, talvez associado a outros projetos europeus que conheceu pessoalmente, como o complexo neogótico da Universidade Católica de Lille ou o próprio Instituto Pasteur, construído nesta cidade francesa”, escreve o professor do Departamento de História da Arte da Universidade de Granada.

Partindo do esboço de Oswaldo Cruz, Luiz de Moraes Júnior traçou em 1905 “uma planta ostentosa que respeitava a articulação de vãos em dois pisos com três corpos salientes”. O prédio “ficava em um pedestal de pedra, janelas gêmeas com arcos de ferradura nas laterais, galeria sobreposta em pórtico dominando a fachada, miradouro sobre o pavilhão de entrada”, detalha.

Alhambra (foto), na Espanha, influenciou o projeto do Castelo da Fiocruz. Foto: Glauber Gonçalves.

O Pavilhão Mourisco lembra em sua fachada emoldurada por torres o Palácio Vrijburg, construído por volta de 1640 na então ilha de Antônio Vaz, em Recife (PE), cita o pesquisador da Universidade de Granada. Também chamado de Palácio das Torres, foi a primeira obra civil arquitetônica de grande porte construída no Brasil.

“Pode-se supor que era do conhecimento de Oswaldo Cruz, de modo que o perfil altaneiro do palácio do Recife, cercado por uma vegetação exuberante, passou a fazer parte do imaginário concebido para Manguinhos”, escreve Domingo em seu artigo, que integra o dossiê Pavilhão Mourisco publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos.

Uma sede para ser vista à distância

 

Durante as obras de fundação, o projeto foi alterado com o intuito de “torná-lo reconhecível à distância”. Para isso, foram incorporadas duas torres com cúpulas como extremidades dos corpos laterais para quebrar a regularidade da fachada. É uma referência à Nova Sinagoga, em Berlim.

Projetada em estilo neomourisco, ela foi inspirada em Alhambra, em Granada, na Espanha, um dos grandes símbolos da arquitetura islâmica. Chamava atenção “o monumentalismo das fachadas portilhadas por esguias torres como minaretes e suntuosas decorações”, escreve Domingo.

Logo, a sinagoga correu o mundo estampada em cartões postais e entrou na lista de referências do Pavilhão Mourisco, que inclui também o observatório do parque de Montsouris (Paris), projetado como Palácio do Bey tunisiano ou Palácio do Bardo para a Exposição Universal de Paris, em 1867; e o Chateau Vaissier (1892-1894), na fronteira da Bélgica, projeto do arquiteto Édouard Dupire-Rozan, conhecido como Palácio do Congo, cuja cúpula era vista à distância.

Com múltiplas inspirações, o Pavilhão Mourisco se tornou um todo harmônico e surpreendente. O templo da ciência é realmente impossível de ser ignorado, mesmo à margem da caótica Avenida Brasil, na Zona Norte do Rio, como desejava Oswaldo Cruz.