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O Intelectual e a História

31 maio/2011

No Encontro às Quintas realizado em 26/5 o historiador Joel Rufino dos Santos compartilhou sua memória intelectual com o público presente, composto principalmente por professores e alunos.

 

O palestrante marcou o ano de 1960 como ponto zero da linha do tempo da sua carreira de intelectual, quando ingressou no Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (Faculdade Nacional de Filosofia). “Aquele momento é de virada de cabeça para baixo na sociedade brasileira porque a agitação política é densa. Apesar de todo tempo haver luta política, em alguns momentos elas são mais aceleradas. Tanto os estudantes como os trabalhadores estavam naquele turbilhão, onde eu também entrei”, falou Joel Rufino.

 

 

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Joel Rufino dos Santos. Foto: Roberto Jesus

 

“Eu como filho de operário tinha pretensões intelectuais modestas. Eu queria ser escritor porque era um leitor assíduo de literatura, romances, contos, mas ainda não tinha ligado esse conhecimento com o desenvolvimento histórico brasileiro”, então a escolha pelo curso de História, segundo Rufino, aconteceu porque quem estuda qualquer ciência humana quer entender como funciona a sociedade, a dinâmica social.

 

Quando o livro Introdução à Revolução Brasileira, do historiador Nelson Werneck Sodré caiu nas mãos de Joel Rufino através de um amigo, mostrou-lhe que a literatura era um campo inteligível da sociedade brasileira. Já no curso de História, Joel Rufino participou junto com outros estudantes do pioneiro Boletim de História, que era a única publicação da então Universidade do Brasil feita por alunos, mas que contava com o aval dos professores, e, por essa razão, a revista trazia textos de teor mais inovador ao lado de outros com uma visão mais “tradicional” da História.

 

Joel Rufino ficou conhecido em função do Boletim e acabou convidado por Nelson Werneck Sodré para ingressar no Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) como seu assistente, cargo de prestígio para um jovem. “Werneck era uma espécie de guru para mim”.

 

Esse é um momento importante, efervescente, da década de 1960. A despeito da criação do Iseb, em 1955, no governo de Café Filho, foi com Juscelino Kubitschek na presidência da República que o Instituto ganhou um grande impulso, com a criação de uma sede própria, na rua das Palmeiras, em Botafogo, e verbas para publicações e cursos. O Iseb refletiu sobre os problemas da realidade brasileira e influenciou os debates político-ideológicos em curso no país sob a égide do nacional-desenvolvimentismo, que defendia a ação estatal e o desenvolvimento industrial como instrumentos de superação do atraso econômico-social do Brasil. Foi composto originalmente por um grupo de intelectuais, entre os quais: Alberto Guerreiro Ramos, Roland Corbisier, Álvaro Vieira Pinto, Ignácio Rangel, Hélio Jaguaribe e outros.

 

“Pelo fato do Iseb estar enfrentando polêmicas, já que uma parte do Governo não gostava do Instituto por considerar que havia uma tendência à radicalização política, e outra parte do Governo acreditar no desenvolvimentismo levado adiante, convidaram estudantes para revitalizar as ideias lá debatidas”, explicou Joel Rufino.

 

Entre as publicações do Iseb está a coleção História Nova do Brasil, uma produção conjunta com o Ministério da Educação e Cultura, que propunha uma reforma no ensino da disciplina e pretendia torná-la científica, lançada em 1964, e logo abortada pela ditadura militar. Foram publicados somente cinco títulos dos dez previstos. Joel Rufino, Mauricio Martins de Mello, Pedro de Alcântara Figueira, Pedro Celso Uchoa Cavalcanti Neto, Rubem César Fernandes e Nelson Werneck Sodré foram os autores da coleção. Para Joel Rufino, o que se chama de História pouco tem a ver com a vida real, com uma disciplina humanística, com o funcionamento do Estado Nacional Brasileiro, e talvez por isso os alunos não gostem da disciplina. “Estávamos no Governo João Goulart, cujas pretensões políticas eram as reformas de base: universitária, agrária, e a História Nova pegou carona nas reformas dele. Talvez se a publicação tivesse circulado apenas no meio acadêmico teria sofrido menos reação, mas foi distribuída gratuitamente a todos os professores”.

 

O resultado foi a prisão dos autores “porque o governo entendia que a História Nova desmoralizava a História do Brasil, que colocava os personagens como heróis”, informou Joel Rufino.

 

Após sair da prisão, ele foi para o exílio na Bolívia e no Chile, e ao voltar ao Brasil, em meados de 1967, encontrou outro cenário: o pós-golpe. “A agitação que encontrei naquele momento era mais violenta e resultaria em luta armada contra a ditadura, nos anos de 1970. Voltei do exílio pela família e porque nós presos políticos nos sentíamos anti-éticos por não estarmos lutando, era um sentimento de medo de sermos covardes”. Na luta contra o regime autoritário, Rufino militou na Aliança Libertadora Nacional (ALN), organização revolucionária comunista criada em 1967 por Carlos Marighela para combater a ditadura militar em vigor no país. “Hoje não faz sentido pegar em armas, talvez nem naquele momento, mas foi a forma que encontramos de enfrentar a truculência do poder militar. Eu não fui para linha de frente, trabalhava na logística do movimento, cuidando dos documentos falsos, do transporte de militantes”.

 

No fim de 1972 Joel Rufino foi preso e torturado cumprindo dois anos de pena. Ao sair da prisão, voltou ao Rio e à vida acadêmica, e em 1978 recebeu o título de notório saber (qualifica o professor que não fez curso de doutorado, mas possui conhecimentos equivalentes, e formaliza um título capaz de atestar conhecimento adquirido fora do ensino formal).

 

“Ao invés de ir para a disciplina de História, fui atrás da minha vocação de menino: fui para a disciplina de Letras”, disse Rufino. Foi nesse período que ele aproximou-se do movimento negro. “Eu pensava que o problema racial era americano. Era uma alienação minha. Foi na prisão que comecei a desconfiar que era um recalque meu. Percebi que entre os presos políticos que estavam comigo, o único negro era eu, mas entre os presos comuns, os negros eram a maioria. Eu servia de interlocutor entre os dois grupos”, lembrou Rufino. Para ele, “a questão racial é a principal do Brasil, ela é uma chave para explicar o Brasil, mas sou contra isolar o problema racial dos outros problemas brasileiros. Por isso, me sentia na contramão do movimento, quase como um dissidente, apesar de reconhecer a sua importância. Por exemplo, as cotas universitárias podem ser vistas como uma questão da democracia brasileira, não porque dão vantagens aos negros especificamente”.

 

A partir daí passou a publicar obras como: O Que é Racismo (1980), um dos primeiros livros paradidáticos com a discussão étnica que o autor produz; Zumbi (1985), que traz uma imagem diferenciada do personagem até antes não retratada. Este personagem também foi analisado em outras obras: Quando Voltei tive Uma Surpresa (2000); História do Brasil (1979); A Questão do Negro na Sala de Aula (1990); História e histórias – Brasil Colônia (1992); A Vida de Zumbi dos Palmares (1995).

 

Durante o debate Joel Rufino foi perguntado sobre a importância do Iseb. Ele acredita que a instituição perdeu sua importância intelectual porque sua teorização estava ligada às necessidades daquele momento político-econômico. “Com o golpe o edifício teórico veio abaixo, porque não deu certo o caminho proposto pelo Iseb. Seu diretor Werneck Sodré perdeu prestígio. Na década de 1980 foi esquecido e pouco citado nas teses e dissertações. Mas há uns 15 anos aponta-se que algumas teses isebianas não parecem ter sido tão errôneas”. Por exemplo, “o Iseb defendia que a revolução brasileira, no sentido de mudanças estruturais, seria feita pela classe trabalhadora e a burguesia nacional. Os fatos políticos, porém, desmentiram isso. No entanto, de 1990 para cá alguns teóricos começam a dizer que existe uma burguesia nacional em aliança com a classe trabalhadora”. O economista Luiz Carlos Bresser Pereira (ministro dos Governos José Sarney e Fernando Henrique Cardoso) defende essa ideia, ou seja, “as transformações na sociedade brasileira são possíveis porque hoje existe uma burguesia e uma classe trabalhadora capazes de fazer política”. “Werneck parece não ter se enganado tanto”, finalizou Rufino.

 

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Público presente no Encontro às Quintas. Foto: Roberto Jesus

 

O palestrante do Encontro às Quintas é doutor em Comunicação e Cultura pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e escritor com extensa obra publicada que vai desde livros infantis a didáticos e paradidáticos. Recebeu vários prêmios, inclusive o Jabuti. Em 2002 e 2004, foi indicado ao Hans Christian Andersen, o mais importante prêmio internacional de literatura infanto-juvenil.Outra obra importante do autor é Como podem os intelectuais trabalhar para os pobres (2004). A leitura da sua vida e de suas ideias está na sua autobiografia: Assim foi (se me parece), publicada em 2008.