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“A sociedade ainda não descobriu os cientistas sociais”, diz Werneck Vianna no Encontro às Quintas

30 abr/2013

A quase duas décadas da publicação de A institucionalização das ciências sociais e a reforma social, o autor, Luiz Werneck Vianna, volta novamente o olhar para sua obra, emblemática na história das ciências sociais no Brasil. Dessa nova mirada, questões que inquietavam o sociólogo na primeira metade dos anos 90 voltam à superfície e se provam ainda atuais, ao mesmo tempo em que emergem novos temas – gerados pelas transformações profundas pelas quais o mundo passou em um curto espaço de tempo – sobre o lugar das ciências sociais hoje no País. 

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Werneck Vianna (centro), ao lado de Ferreira (esquerda) e Brasil Junior. Foto: Vinicius Pequeno.

Das chamadas políticas de pacificação das favelas cariocas às atuais disputas entre os Poderes no País, passando pela influência das telenovelas na opinião pública, Werneck Vianna avalia que os cientistas sociais ainda não estão presentes em instâncias em que seu saber deveria ser utilizado. Convidado do Encontro às Quintas do último dia 25, o sociólogo sintetizou: “A sociedade ela mesma ainda não nos descobriu”.  Em tom crítico, direcionado à própria comunidade de cientistas sociais, mas também a uma série de instituições públicas e privadas, ele apontou, durante o evento, espaços que os profissionais desse campo ainda não conseguiram ocupar.

“O mundo das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora), o mundo das lajes, tudo isso tomou conta do imaginário da cidade e do País. As novelas ilustram isso”, declarou Werneck Vianna. “Esse mundo das UPPs foi concebido e instituído com pouquíssima audiência de cientistas sociais. Deveríamos ter inteligência aplicada sobre essa questão”, complementou. O cenário de afastamento, pontua ele, se repete em diversas instituições, como organizações ligadas à vida associativa brasileira. “Os partidos e os sindicatos têm passado ao largo do nosso mundo e, para nós, eles só aparecem como objetos de estudo externo”, disse.

O diagnóstico do pesquisador é o mesmo para o setor privado: as empresas no País ainda não despertaram para a relevância do cientista social e para a contribuição que eles poderiam trazer para a sua atuação. Ao mesmo tempo em que aponta esse vácuo, ele lembra a emergência de um fenômeno capitaneado por esse profissionais: o surgimento de uma série de Organizações Não Governamentais (ONGs) conduzidas por sociólogos. “Temos ONGs realizando pesquisas de ponta, com financiamento privado”, afirmou, ao citar como tema desses estudos questões relativas a meio ambiente, violência, corrupção e transparência.

Aprisionados à lógica do Estado-nação

O ponto de congruência dessas temáticas – seu caráter global – também esteve no centro da reflexão feita por Werneck Vianna. Ele afirma que as ciências sociais no Brasil ainda hoje estão prisioneiras da lógica do Estado-nação. “Tudo se globaliza, só a nossa mentalidade que não”, declarou. Para o pesquisador, o cientista social precisa transpassar essas bordas ao pensar problemas que atingem não apenas o País mas diversas partes do mundo, como os relativos a direitos humanos. “Há uma comunidade científica mundial já transitando esse caminho – tentando juntar esses cacos, tentando criar uma possibilidade de ação comum na luta por desenvolvimento, ambiente, saúde.”

A maneira como o Brasil tem se inserido nesse mundo globalizado é criticada pelo sociólogo. Para ele, essa transição para um cenário em que as fronteiras são cada vez mais tênues se dá em torno da defesa de grandes interesses estabelecidos, como o da expansão das empresas brasileiras para outros países. “(O Estado) realiza uma política escancaradamente burguesa de promoção dos interesses existentes nesse País, projetando inclusive essa potência que está sendo construída para o mundo exterior – para os países vizinhos e para a África”, observou.

O Estado e a “regulação da vida” 

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Ferreira (esq.): Werneck aborda institucionalização das
ciências sociais com originalidade. Foto: Vinicius Pequeno

Essa política, na avaliação dele, tem sido implementada por um Estado que se tornou pesado e estende mecanismos de “regulação da vida”. “Esse Estado que aí está é ainda mais invasivo, vertebrador da sociedade do que o regime militar”, afirmou. Para o pesquisador, estruturas governamentais que implementam políticas vindas de cima para baixo reduzem a autonomia da sociedade para buscar e implementar suas soluções.

Um exemplo, conforme o sociólogo, é a atuação de entidades de incentivo à pesquisa, como Capes e CNPq, que “insinuam o que se deve pesquisar”. Werneck Vianna aponta o reflexo desse Estado: “Hoje temos uma intelectualidade mais doce do que em qualquer outro período recente da nossa história”, disse.

Assunto polêmico presente nas páginas dos principais jornais do País nos últimos dias, a separação entre os Poderes também foi objeto do comentário de Werneck Vianna. Uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que submete decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) à avaliação do Congresso acirrou os ânimos no Legislativo e no Judiciário. Esse debate, na avaliação do sociólogo, está sendo travado de forma ultrapassada.

“Nossa literatura está hipotecada a um passado anacrônico, que só concebe à moda Montesquieu esse mundo com Poderes separados. A  tendência mundial hoje é de colaboração entre Poderes”, analisou, ressaltando que os cientistas sociais devem estar presente nessas arenas de discussões.

Antes da explanação de Werneck Vianna, o historiador Luiz Otávio Ferreira, do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde, da Casa de Oswaldo Cruz (COC), e o sociólogo Antonio Brasil Junior, da Universidade Federal Fluminense (UFF), fizeram uma análise do texto do pesquisador, publicado na Revista Dados como apresentação de uma extensa pesquisa sobre Cientistas Sociais e Vida Pública, desenvolvida por ele, Maria Alice Rezende de Carvalho e Manuel Palacios Cunha Melo.

Ferreira abordou os pontos compartilhados entre os processos de institucionalização das ciências sociais e de outras ciências no Brasil. “O texto de Weneck Vianna trata de todos eles (compartilhamentos) com originalidade, argúcia, imaginação sociológica e sobretudo com compromisso político, não no sentido de tomar partido, mas de pensar politicamente essa ciência que se institucionaliza em circunstâncias peculiares, na sua relação com a sociedade”, afirmou.

Já Brasil Junior dividiu sua exposição em três momentos. O primeiro buscou localizar a discussão de Werneck em relação a outras versões da história das ciências sociais no Brasil. Em seguida, fez uma breve reconstrução de parte do artigo do sociólogo para, depois, sugerir questões atuais a serem discutidas.  "Werneck mostra (em seu artigo) que não seria equivalente nem o lugar que a universidade ocupou em São Paulo e no Rio, nem o modo pelo qual estas duas sociologias encaminharam o tema da reforma social", disse em sua apresentação.