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Viagens científicas e visões da natureza

28 mar/2011

 

 

Viagens científicas e visões da natureza foi mais um tema apresentado no Simpósio Internacional Relações Médico-Científicas entre Brasil e Alemanha: história e perspectivas. O pesquisador Luiz Montez, da UFRJ, falou sobre o percurso do naturalista Johann Natterer no Brasil, entre 1817-1835, e a importância do estudo de seu legado.

Montez mostrou fragmentos de cartas, relatórios e do diário de Natterer, obtidos no Museu de Etnologia de Viena, confrontando, com base nesses documentos, a diferença entre o discurso oficial e as próprias anotações de Natterer em seu diário.

 

Três pessoas parecem na mesa. Da esq para dir. hopmem de óculos fala ao microfine, depois vem moça loira de cabelos ondulados em seguida a coordenadora da mesa
Da esq. para dir. Luiz Montez, Lorelai Brilhante Kury e Silvia Figueirôa,
coordenadora da mesa.
Foto: Vinicius Pequeno

 

Johann Baptist Natterer foi o principal colecionador de objetos de história natural, no domínio da botânica, zoologia e mineralogia, vindo na primeira grande expedição científica austríaca no Brasil que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina ao Rio de Janeiro, em 1817. “No Brasil, Natterer foi aquele viajante e cientista sobre o qual absolutamente todos os historiadores ouviram falar, mas cujas viagens, percalços e sucessos no interior de nosso país poucos conhecem e podem descrever com informações precisas”, disse Montez.

O naturalista permaneceu no país por 18 anos, recolhendo objetos de história natural e de etnografia na primeira metade do século XIX que, segundo o pesquisador, constituem uma das maiores coleções do Museu de História Natural do Museu de Etnologia da Áustria.

Emilio Goeldi e sua contribuição – Nelson Sanjad, pesquisador do Museu Parense Emilio Goeldi, apresentou um estudo sobre as tradições e intercâmbios científicos no museu, entre 1894 e 1920.  Falou sobre os cientistas germânicos e a existência de uma comunidade transnacional, localizada na Europa Central.

 

fotosanjat
Nelson Sanjad. Foto: Vinicius Pequeno

 

Segundo Sanjad, já no século XIX havia um sofisticado complexo educacional e científico compreendendo a Suíça, a Áustria e partes da França, Itália, Hungria. Também existia amplo mercado de trabalho para cientistas recém-formados. Mais tarde, devido à saturação desse sistema, cientistas alemães e franceses passaram a circular pelo mundo em busca de conhecimento, trabalho e aventura.

Na América Latina, os países que mais receberam cientistas germânicos foram Argentina, Uruguai, Chile e Brasil. Goeldi estava entre esses cientistas. Assumiu a direção do Museu Paraense, em 1890, implementando uma profunda reforma institucional. Estruturou um museu especializado em história natural e em assuntos amazônicos. Para atuar no museu, foram priorizadas as contratações de cientistas e técnicos germânicos com doutorado ou formação específica, dependendo do cargo.

O Museu Paraense, de 1894 a 1914, foi a instituição científica brasileira que mais publicou em livros, periódicos próprios ou em revistas estrangeiras, principalmente as alemães. “Podemos dizer que as contribuições dos cientistas germânicos foram fundamentais para a institucionalização do campo científico no Brasil”, concluiu Sanjad.

A botânica das viagens ao Brasil: diálogos com Goelth e Humbolt – Esse foi o tema da apresentação da historiadora da Casa de Oswaldo Cruz Lorelai Brilhante Kury, que analisou a produção dos dois naturalistas, abordando a relação entre as viagens e seus registros, entre ciência e suas representações textuais e iconográficas, as reflexões filosóficas sobre a morfologia vegetal e animal e a lógica que a preside.

Segundo a pesquisadora, além dos diários de viagem, o desenho e a pintura ocupavam lugar essencial nas viagens científicas do século XIX. Muitos naturalistas utilizaram frequentemente a iconografia, em associação com textos científicos. A descrição da natureza, segundo Humboldt, além de considerar a representação e descrição morfológica de cada espécie vegetal e seus componentes, o que era comum na época, considerava também as paisagens, o conjunto da vegetação ou fiosionomias.

Goethe, por sua vez, em seus escritos, utilizava uma linguagem filosófica, seguindo uma linhagem traçada pelo botânico francês Saint-Hilaire. A obra de Goethe que influenciou a botânica européia intitula-se A metamorfose das plantas, de 1790. “Goethe desenvolve aí, basicamente, a idéia de uma unidade subjacente à diversidade, tanto no que diz respeito às partes da planta quanto no que concerne ao vegetal inteiro”, disse Lorelai.

Emilia Snethlage – A última apresentação foi sobre a ornitóloga alemã Emilia Snethlage (1868-1929). Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em História da Ciência e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz , Miriam Junghans estudou a trajetória da cientista, defendendo a dissertação Avis rara: a trajetória científica da naturalista alemã Emilia Snethlage (1868-1929) no Brasil, no curso de  mestrado do mesmo programa.

Segundo Miriam, a participação das mulheres em atividades científicas era maior do que se pensava. O trabalho de Emilia Snethlage é um desses casos. A ornitóloga  desenvolveu sua carreira científica no Brasil, trabalhando no Museu Paraense Emilio Goeldi, em Belém, e no Museu Nacional do Rio de Janeiro. Dentre sua produção científica, o Catálogo das aves amazônicas, publicado em 1914 sob a orientação do zoólogo suíço Emilio Goeldi (1859-1917), foi um dos pontos altos. “Esse catálogo foi, ao longo de 70 anos, a obra mais completa e abrangente sobre o assunto, sendo citado até hoje. O intenso trabalho de campo que Emilia desenvolveu contribuiu para o conhecimento da distribuição geográfica da avifauna brasileira”, afirmou a pesquisadora.

A principal característica da vida profissional de Emilia foi o intenso trabalho de campo, com viagens e excursões para coleta de espécimes. Isto não era muito usual para a época, pois os cientistas, geralmente, faziam apenas uma ou duas grandes viagens de estudos e coletas durante a vida. Miriam afirma que a mais importante dessas jornadas, a qual obteve intensa e favorável repercussão no meio científico, foi a travessia entre os rios Xingu e Tapajós, em 1909, acompanhada apenas por índios e tendo que vencer toda a sorte de dificuldades” .

Após o afastamento de Goeldi do museu que leva o seu nome e a morte do seu substituto, o botânico Jacques Huber, Emilia assumiu a direção da instituição. Mas sua gestão foi conturbada pelo desenrolar da crise política que levou à Primeira Guerra Mundial.

Em 1922, Emilia transferiu-se para o Museu Nacional, no Rio, onde passou a trabalhar como naturalista viajante, a convite do paraense Bruno Lobo, então diretor da instituição. A serviço do museu realiza numerosas viagens científicas pelo Maranhão, Espírito Santo, Minas Gerais, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Argentina e Uruguai, além de percorrer um longo trecho do Rio Araguaia. Em 1926, foi convidada a ingressar na Academia Brasileira de Ciências.

 

 

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