Oferecido pela Oficina Escola de Manguinhos, o objetivo do curso de aperfeiçoamento é ampliar as possibilidades de conter as deteriorações dos prédios do Núcleo Arquitetônico Histórico do campus da Fiocruz no Rio de Janeiro, tombados pelo Iphan e pelo Inepac.
Cristina Coelho, arquiteta que coordena o projeto, explica que “seu Adorcino é um dos únicos que adquiriu seu conhecimento com o próprio trabalho, desde jovem, quando o ofício de estucador era comum e bastante necessário no campo da arquitetura em meados do século XX. Nessa época ele aprendeu o ofício com estucadores estrangeiros que atuavam no Brasil”.
As aulas do mini-curso da Oficina Escola de Manguinhos terminaram no dia 15 de julho e, desta vez, o objetivo foi aprender como fazer a “conservação corretiva” da balaustrada, composta pelas colunas e o peitoril em estuque que contornam a escadaria de acesso ao castelo, que foi parcialmente destruída por um caminhão.
Desta vez foram 12 alunos, com idades que variam entre 20 e 55 anos e especialidades diversas: dez operários e técnicos da construção civil — pintores, pedreiros, um meio oficial encanador, um servente e um técnico em edificações, um encarregado de manutenção e um gerente de conservação — além de dois engenheiros. A maioria trabalha na manutenção dos prédios da Fiocruz.
A OEM oferece várias modalidades de cursos: um deles é o de aperfeiçoamento para os trabalhadores dos serviços de manutenção e há também o de formação inicial para jovens, nas técnicas de conservação e restauração arquitetônica.
Acompanhando as aulas práticas e fazendo perguntas ao professor, Débora Lopes, que tem formação em artes plásticas mas se especializou em restauração e trabalha nas obras de manutenção coordenadas pela Casa de Oswaldo Cruz, tem certeza que o aperfeiçoamento dos profissionais influencia de forma positiva na qualidade e no acabamento do trabalho.
Ela estava encantada com as soluções práticas do professor para corrigir problemas nos balaústres que sustentam o corrimão: ele modela com as mãos as falhas, preenchendo as ausências de estuque e depois nivela, alisa com espátula. “Aí está a importância de um artífice para um trabalho como esse. Ele tem habilidade, experiência, recursos práticos adquiridos ao longo da vida.”
Por solicitação do projeto, ao longo do curso uma equipe do Canal Saúde (produtora de vídeos e programas jornalísticos sobre saúde) filmou o passo a passo de todo o processo de como fazer os moldes dos balaústres e a próprias peças que precisam de restauro e conservação.
O registro em imagens de todas as etapas do processo resultará em um vídeo didático, sobre a técnica ornamental de estuque que os alunos apreenderam com o mestre, que ganhará edição final posteriormente, bem como mais dois filmes: um perfil do “Seu Adorcino” e outro sobre a Oficina Escola de Manguinhos.
“A ideia é contribuir para a difusão de conhecimentos relacionados com o trabalho de conservação do patrimônio cultural e formar pessoal em técnicas artesanais e artísticas de restauração”, diz Cristina Coelho.
O mestre e seus alunos em frente ao Castelo da Fiocruz, sede da
presidência e de toda a diretoria da Fiocruz
Personagem da notícia
Durante uma das aulas por perto do castelo, “Seu Adorcino” apontou para o alto, mostrando uma das cúpulas verdes que compõem as torres, e falou sobre a primeira intervenção que fez no prédio, pouco tempo depois de começar a trabalhar na Casa de Oswaldo Cruz: um dos torreões em estuque, que ornamentam as fachadas, estavam muito danificados e ele fez outro, idêntico, a partir de um molde que também construiu.
Ele foi dos primeiros a integrar a equipe que hoje compõe o Departamento de Patrimônio Histórico (DPH), reunindo profissionais responsáveis pela conservação do Núcleo Arquitetônico Histórico de Manguinhos (Nahm), que inclui o castelo que abriga a diretoria da instituição de saúde e os prédios tombados (saiba mais) .
Nascido em Saquarema em 1926, o velho artesão é viúvo de Cristina, com quem teve três filhos, que já lhe deram sete netos e oito bisnetos. Adorcino mora com uma filha em Nova Iguaçu, município da Baixada Fluminense, e quase todos os dias vem até o campus de Manguinhos para suas atividades na Oficina Escola.
Ele trabalha na construção civil desde os 18 anos, quando chegou na cidade do Rio de Janeiro e empregou-se como servente de pedreiro. Menos de um ano depois passou a meio oficial de estucador, em reconhecimento à habilidade na recuperação de revestimentos.
A primeira etapa da restauração é a
limpeza, com lixas e pinceis
Em 1985, foi contratado por uma empresa de engenharia para fabricar as formas dos ornamentos das torres do castelo da Fiocruz, que precisavam de restauração. Pouco tempo depois tinha conquistado o reconhecimento dos profissionais e estudantes de engenharia, arquitetura e belas artes que trabalham ou circulam pelo campus.
Durante a década de 1990, ele foi premiado duas vezes pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil, pelo trabalho desenvolvido na restauração da torre Norte e do 7º andar do castelo da Fiocruz. Adorcino é visto como figura-chave e referência fundamental, quando o assunto é a restauração de peças em estuque, feitas de cimento, areia e gesso e enfeitam o prédio de arquitetura eclética com elementos mouriscos.
Cabelos brancos semicobertos pelo boné cáqui, no mesmo tom do avental longo de mescla, óculos de grau, “Seu Adorcino” não fala muito, e nem é preciso. Diante das bancadas do atelier da Oficina Escola, ele parece crescer ao manipular os moldes e peças que preparou junto com seus alunos. São reproduções em tamanho natural dos balaústres – as colunas que sustentam o corrimão de acesso ao castelo.
O mestre mete a mão na massa, literalmente, parecendo inteiramente à vontade naquele ambiente, cercado pelos discípulos e por pincéis, espátulas, peneiras, broxas, pás, baldes e outras ferramentas e materiais necessários. No último dia de aula disse sentir “muita alegria por ensinar a muita gente”.
Na sala da Oficina Escola de Manguinhos, “seu Adorcino” finaliza
um balaústre em estuque semelhante aos da escadaria de
acesso ao Castelo da Fiocruz
Uma das alunas, a engenheira Delminda Fatima de Souza, gerente de conservação do Departamento de Patrimônio Histórico da COC (DPH), não escondia a satisfação pela oportunidade de freqüentar as aulas. Ela diz que “não tinha a menor idéia de como se trabalhava com estuque” e que a qualificação adquirida vai ajudá-la, se necessário, na fiscalização das obras.
Na avaliação final, quando convidados a demonstrar o que sentiam por ter participado do curso, escrevendo no quadro apenas uma palavra, Rafael da Cunha, meio oficial encanador, não teve dúvida e grafou: “seriedade”. Tanto Carol, estudante de belas artes e monitora no curso, como Delminda escolheram “equipe” e o pedreiro Ivanildo Alves da Silva arrematou: “feliz”.
A participação no curso os habilita a desenvolver com mais refinamento trabalhos na construção civil, no revestimento de peças de ornamentação. O certificado valoriza o currículo deles todos.
Há inúmeras peças em estuque, algumas brancas, outras em cores vivas, que foram produzidas neste e nas versões anteriores do curso, que agora trazem um colorido especial às paredes da Oficina Escola — são reproduções de detalhes dos ornamentos do castelo mourisco.