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Ciências sociais precisam se articular contra ideias que ameaçam a democracia, diz socióloga

30/09/2019

Por Cristiane Albuquerque


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Diante de um contexto em que o conhecimento científico tem sofrido críticas e contestações que afetam sua credibilidade, Elisa Reis, professora de sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), dispara: “Quanto mais reforçamos a ideia de que o conhecimento científico é superior, mais contribuímos para que esse tipo de concepção [anticientífica] seja propagado. O conhecimento científico não é superior, mas possui normas e está sujeito a determinados protocolos. Por isso, é necessário manter sua a especificidade, caso contrário, as pessoas vão dizer que a terra é plana com a mesma seguridade que afirmamos que não é”. 

Quanto mais reforçamos a ideia de que o conhecimento científico é superior, mais contribuímos para que esse tipo de concepção [anticientífica] seja propagado. O conhecimento científico não é superior, mas possui normas e está sujeito a determinados protocolos.

A afirmação foi feita durante a apresentação ‘Ciências Sociais para quê?’, no último Encontro às Quintas, promovido pelo Programa  de Pós-graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz). Doutora pelo Massachusetts Institute of Technology (MIT) e membro da Academia Brasileira de Ciência (ABC),  Elisa Reis defendeu a garantia do direito dos cidadãos à informação científica qualificada,

“A ciência é um direito humano. Privar o cidadão do acesso à informação científica é algo muito grave. Todos devem participar do progresso científico e de seus benefícios, saber para que servem e quanto das políticas públicas incorporam esse conhecimento”, afirmou, lembrando que o direito à ciência por toda e qualquer pessoa integra a Declaração Universal dos Direitos Humanos, pela Organização das Nações Unidas, de 1948.  A palestra, realizada em 19/09, foi coordenada pelo pesquisador e professor da COC/Fiocruz, Marcos Chor Maio. 

A socióloga alertou, ainda, sobre a necessidade de estratégias para a revalorização da ciência. “Possuímos expertise para interpretar e explicar as crises do mundo atual, buscar alternativas e, sobretudo, incentivar o diálogo em torno de diversas problemáticas. A visão limitada da ciência social não pode ser naturalizada”, criticou Elisa Reis.  

Diante das atuais transformações globais, a pesquisadora listou os desafios das ciências sociais para conter o avanço de conceitos como neoprotecionismo, neonacionalismo e neopopulismo. “O neoprotecionismo é uma ameaça ao mercado mundial, já que o sistema proíbe ou inibe a importação de determinados produtos, por meio de taxação de produtos estrangeiros. No caso do neonacionalismo, o risco diz respeito à solidariedade e a coesão social como um todo. Já o neopopulismo é uma ameaça à democracia. Nesse sentido, as ciências sociais precisam de articulação e posicionamento, de maneira construtiva, contra essas ideias que são um risco global e que desafiam as formas democráticas de governança”, avaliou. 

Na ocasião, Elisa Reis também explicou a importância da transdisciplinaridade para a interpretação das crises do mundo atual pelas ciências sociais. “É necessário compreender o conhecimento de forma plural, reconhecendo as especificidades e contribuições de cada disciplina, a fim de buscar alternativas. Os cientistas precisam ser propositivos ao fazer críticas aos modelos vigentes. Se somente criticarmos, contribuiremos com a famosa polarização de opiniões”, sugeriu. 

“Nenhum fazer científico se justifica sem o entendimento de responsabilidade social”

Toda ciência é social, nenhum fazer científico se justifica sem o entendimento de responsabilidade social, a partir de valores como a busca por bem-estar, igualdade, dignidade, segurança e crescimento sustentáve

Para a socióloga, a ideia de progresso tem de existir como um ideal normativo, e a ciência social deve, de maneira responsável, verificar quais são as condições para favorecer a vida em sociedade. “Toda ciência é social, nenhum fazer científico se justifica sem o entendimento de responsabilidade social, a partir de valores como a busca por bem-estar, igualdade, dignidade, segurança e crescimento sustentável. Por isso, é imprescindível repensar a noção de progresso, pois sem ela não faz sentido pensar a atividade científica”, destacou. 

Em linha com essa perspectiva, o progresso ou desenvolvimento social deveria estar alinhado a mecanismos circunscritos pela realidade. “A percepção de progresso não é inquestionável. Não existe nada de natural que leve o progresso ou ao crescimento social. Se a gente não refletir que é possível melhorar ou sobre como fazer isso, as coisas não mudarão”, analisou.

Ciências sociais lançam olhar sobre novas pautas no século 21

A contribuição histórica das ciências sociais na construção do estado-nação  também foram discutidas por Elisa Reis. Segundo a pesquisadora, as questões das ciências sociais e da sociologia foram redefinidas ao longo do tempo. “No contexto do mundo moderno, os grandes temas das ciências sociais foram as revoluções industrial e francesa, além da ideia de progresso. Já no século 20, as ciências sociais discutiam o processo de descolonização, a construção de estados nacionais, a revolução verde, além de questões sobre pobreza, desigualdade e exclusão social, que na verdade continuam em debate até hoje, mas com outras tônicas”, listou. 

De acordo com Elisa, entre as grandes pautas das ciências sociais no século 21 estão a globalização, os problemas ambientais, o capitalismo financeiro e as alterações no mundo do trabalho, além da singularidade tecnológica, tema que, segundo ela, tem ganhado atenção diante da ideia do risco de dominação do mundo pelas máquinas. “A singularidade é um conceito usado da matemática que indica algo inesperado ou inexplicável. O que tem sido colocado é que, possivelmente, com a inteligência artificial, teremos, como grande questão, como domesticar as máquinas, como fazer as máquinas trabalharem para nós”, finalizou. 


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